As Origens Aristocráticas e Esotéricas do Marxismo

Heinrich Heine de Hamburgo, membro secreto dos Carbonários e poeta do Romantismo alemão, publicou a 12 de julho de 1842 um texto místico com laivos de profecia, onde referia que o Comunismo, ainda não conhecido na época enquanto movimento político, iria revelar-se poderoso, intrépido, desinteressado como o pensamento e iria ser a ditadura do proletariado, expressão utilizada anos mais tarde por Lenin. Heinrich falava também da Guerra Fria entre a França e a Prússia. Referia ainda uma revolução universal, um duelo entre pobres e aristocratas, que anularia conceitos como nação, propriedade e religião, influenciado pelo saint-simonianismo, um sistema socialista focado na percepção de que o crescimento da industrialização e da descoberta científica trariam mudanças profundas à sociedade. A teoria do Conde de Saint-Simon assentava no princípio de que o Estado deveria ser detentor de toda a propriedade e os indivíduos usufruiriam de acordo com a qualidade e quantidade do seu trabalho, numa sociedade produtiva baseada em trabalho útil que geraria igualdade. Mas para Heinrich apenas existiria a Pátria, a Terra e uma única Fé, um só pastor e um só rebanho. Com um elevado grau cultural, o poeta não só viajara por diversos países europeus (França, Itália, Reino Unido) como conheceu figuras de relevo do pensamento da época (Humboldt, Lasalle, Victor Hugo, Wagner, Balzac). Mas Heinrich movia-se numa aristocracia burguesa. Era sobrinho do banqueiro Salomon Heine de Hamburgo, relacionava-se com Hegel na Universidade de Berlim, conheceu os Rothschild de Londres e um dos seus amigos de tertúlia era Karl Marx. Na realidade foi graças a ele que Marx conseguiu chegar são e salvo a Inglaterra, enquanto fugia da polícia prussiana e francesa. E nessa época, Benjamin Disraeli, primeiro-ministro de Inglaterra era um maçom protegido pela mesma casa Rothschild.

Durante o séc. XIX dois esotéricos franceses tinham integrado os ideais da Grécia Antiga, moldando o mundo moderno num revivalismo cultural massivo: Fabre d’Olivet e o seu amigo inseparável Saint Yves d’Alveydre. O primeiro movia-se no meio dos teosofistas, maçons e entre membros de outras sociedades secretas e dominava latim, hebreu e sânscrito. Procurava o significado original das cerimónias de antigas religiões e fundou uma variante da maçonaria que se baseava na jardinagem e na agricultura. Os 3 graus da sua organização eram a de aspirante, lavrador e cultivador num paralelo aos graus clássicos da maçonaria – aprendiz, companheiro e mestre. As suas ideias e reflexões sobre o bem-estar da humanidade influenciaram alguns socialistas utópicos como Charles Fourier, Claude Henry Rouvroy ou escritores como Victor Hugo, André Breton e Rainer Maria Rilke. O segundo, Saint Yves, era discípulo de Fabre e acrescentou a sua experiência na língua árabe e estudos sobre a influência religiosa e mitológica hindu. Foi o responsável por trazer ao Ocidente o conceito do Rei do Mundo, dono da Terra e que comandava os destinos de todos os humanos de um centro de poder oculto em Agartha (Shambala na tradição oriental original), uma cidade mágica localizada perto dos Himalaias, numa descrição muito semelhante à Atlantis de Platão. Para ele, o ideal de felicidade social passava por uma teocracia em que o homem se encontrava no centro do sagrado, no fulcro da civilização. Concluiu também que apenas a aristocracia económica teria poder para fazer elevar o nível económico, social e, por consequência, cultural da população em geral. E só assim, as massas poderiam compreender melhor o divino e ser mais felizes.

O socialismo utópico nasceu, por isso, das influências relacionadas com a industrialização, o enciclopedismo, de alguns conceitos da maçonaria, do martinismo e dos Iluminados da Baviera. Estes socialistas originais, considerados por muitos como os precursores das teorias de Karl Marx, pretendiam aplicar o espírito testado durante a Revolução Francesa, mas exceptuando-o do confronto físico sangrento e da destruição material. Um dos seus ideólogos, o conde de Saint-Simon, fundou uma corrente filosófica que defendia conceitos entre a política e o misticismo anticatólico. Vangloriava-se de ser descendente de Carlos Magno, que lhe teria aparecido em sonhos, dizendo-lhe que viveria para se dedicar à filosofia e à política, enquanto aguardava a guilhotina nos calabouços. Depois de ser indultado dedicou-se a escrever sobre a sua concepção do mundo, de como a Igreja devia desaparecer e os cientistas deviam substituir os sacerdotes na pirâmide hierárquica social enquanto o resto da população (exceto literatos e artistas que ocupariam o papel da nobreza e do clero) se dedicaria ao trabalho puro e duro. Saint-Simon aspirava a uma união da Europa num ambiente ecuménico-medieval. As suas teorias foram ampliadas por Charles Fourier e Pierre Leroux, que explicavam a origem das desigualdades sociais como prémios ou castigos de existências anteriores, numa estranha amálgama entre política e reencarnação.

Fourier, aliás teve contacto direto com os Illuminati. Tinha vivido em Lyon, uma das capitais do ocultismo da época e colaborou com eles contribuindo para o Boletim de Lyon. Ali conheceu alguns franco-maçons e terá sido iniciado no Grande Oriente de França e possivelmente também na Ordem Martinista. Uma das suas ideias mais famosas designava-a por “estrutura social perfeita“, baseada nos falanstérios ou comunidades autónomas para a produção e consumo de produtos necessários e onde se praticava a poligamia. Uma ideia que não pôde passar à prática na sua época, embora tenha sido reinterpretada e reintegrada, de certa forma, pelo movimento hippie, que tentou passá-la à prática nos anos 60 e 70 do séc. XX. O anticapitalismo místico e globalizador da humanidade que emanava dos textos dos socialistas utópicos foi transformado por Karl Marx num outro, de carácter materialista e científico, no entanto igualmente agregador de todos os seres humanos, pois não importava qual o local de nascimento ou a classe social. Mas antes da irrupção de Marx, ainda outra personagem influenciou as correntes filosóficas da época: Graco Babeuf, fundador da Conspiração dos Iguais e agitador de diversas sociedades secretas do primeiro terço do séc. XIX em França. Chegou mesmo a ser considerado pelos marxistas como o primeiro líder do movimento revolucionário da classe operária. Também Esteban Cabet, um dos doze membros da direção suprema dos carbonários e fundador de várias comunas e Narciso Monturiol (inventor espanhol do submarino), seu discípulo, influenciaram o momento pré-Marx. John Ruskin, professor de Oxford seria o último dos grandes socialistas utópicos. Formou um círculo de pensamento com os mais notáveis de entre os seus alunos, como o historiador Arnold Toynbee, o economista William Morris ou o maçom lord Alfred Milner.

Ruskin decididamente influenciou o nascimento da Sociedade Fabiana, em 1883. Os fabianos são o link entre o socialismo utópico e o trabalhismo britânico, precursor por sua vez da social-democracia, tal como a entendemos na atualidade. O seu nome deriva de Quintus Fabius Maximus, o general romano que durante as guerras púnicas evitou com grande mestria um confronto direto entre as suas legiões e as tropas cartaginesas, muito superiores em número. Utilizou técnicas de guerrilha, que lhe permitiam fazer mais danos no inimigo que baixas nas suas fileiras. Quando já havia debilitado suficientemente o inimigo, atacou e saiu vitorioso. Esta era a técnica dos socialistas fabianos, o assalto ao poder, bem conhecido da Roma Antiga. A ideia dos fabianos era introduzir um processo gradual de reformas sociais que evitasse confrontos diretos entre a classe operária e os capitalistas, enquanto se disseminava a ideologia da igualdade e de fraternidade entre os trabalhadores de todos os setores. Virginia Wolff, H.G.Wells, George Bernard Shaw e Bertrand Russel foram outras personalidades que mantiveram contacto com a Sociedade Teosófica. Por seu lado, a Sociedade Fabiana deu origem à London Economic School, onde continuam a formar-se ainda hoje as elites capitalistas internacionais. Segundo diversos autores, os fabianos apoiaram durante algum tempo o marxismo, mas na segunda metade do séc. XX, principalmente depois do Congresso Social Democrata alemão de Bad Godesberg em 1959, viraram-se para uma ideologia mais suave baseada na Realpolitik, uma política mais realista segundo a qual, a transformação em direção a uma nova ordem mundial seria levado a cabo mediante a aceitação do liberalismo e da economia de mercado, convenientemente gerida e reconduzida. E assim, com o passar do tempo, foi possível comprovar que a política dos partidos social-democratas se foi aproximando cada vez mais das formações de carácter conservador até ao ponto de chegar a ser, em muitos casos, quase idêntica.

Texto relacionado da Casa das Aranhas: O Evangelismo Marxista.

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