Um discurso de Ali ibn Abu-Taalib, o Comandante dos Fiéis
Traduzido por João Silva Jordão
Aquele que Lhe afixa (diferentes) condições não acredita na Sua unicidade, nem aquele que O compara (a outras coisas) percebe a Sua realidade. Aquele que O ilustra não O significa. Aquele que aponta para Ele e O imagina e não O quer. Tudo o que se faz conhecer através de si próprio foi criado, e tudo o que existe em virtude de outros factores é um efeito (de uma causa). Ele trabalha mas sem a ajuda de instrumentos. Ele toma medidas mas sem a atividade do pensamento. Ele é rico, mas não através de aquisição.
Os tempos não Lhe fazem companhia, e implementações não O ajudam. O Seu ser precede o tempo. A Sua existência precede a inexistência e a Sua eternidade precede (o) inicio. Pela Sua criação dos sentidos sabe-se que Ele não possui sentidos (cognitivos). Pelos contrários em vários assuntos sabe-se que Ele não tem contrário, e pela similitude entre as coisas sabe-se que nada é igual a Ele. Ele fez da luz o contrário da escuridão, luminosidade o da melancolia, secura o da humidade e o calor o do frio. Ele produz afeto entre coisas inertes.
Ele funde coisas diversas, aproxima coisas remotas e separa coisas que estão juntas. Ele não é confinado por limites nem contado por números. Componentes materiais podem rodear coisas do seu próprio género, e órgãos podem apontar para componentes similares a si mesmos. A (possível aplicação para com componentes materiais da) palavra ‘monzo’ (desde) refuta a sua eternidade, a palavra ‘qad’ (que mede a sua proximidade de ocorrência) refuta a sua continuidade eterna e a palavra ‘lawla’ (se não fosse) mantem-nos remotos da perfeição.
Através deles (os componentes materiais) o Criador manifesta-Se à inteligência, e através deles Ele é resguardado da visão dos olhos.
Inércia e movimento não ocorrem Nele, e como pode Nele ocorrer aquilo que Ele próprio fez acontecer, e como pode uma coisa que Ele próprio criou reverter a Ele, e como pode aquilo que Ele criou aparecer Nele? Se tal fosse possível, o Seu ser estaria sujeito a diversidade, o Seu ser seria divisível, e a Sua realidade não poderia ser considerada eterna. Se Ele possuísse uma frente, teria que se Lhe afixar também uma traseira. Ele precisaria de conclusão somente se a escassez O afectasse. Nesse caso características da criação apareceriam Nele, e Ele tornaria-se num sinal em vez de (todos) os sinais nos levarem a Ele. Através da Sua abstenção Ele está longe de ser afectado por coisas que afectam os outros.
Ele é Aquele que não muda ou desaparece. O processo de estabilização não ocorre Nele. Ele não concebe biologicamente, a não ser que Ele seja considerado como tendo nascido. Ele não nasceu ou teria de ser considerado como tendo limites. Ele é demasiado alto para ter filhos. Ele é demasiado puro para contactar mulheres. A imaginação não O pode alcançar de maneira a Lhe designar quantidades. A compreensão não pode pensar Nele de maneira a Lhe dar forma. Os sentidos não se apercebem Dele de maneira a O sentir. As mãos não O podem tocar de maneira a se aproximarem Dele. Ele não muda de condição. Ele não se transforma em (diferentes) condições. Ele não passa de um estado para um outro. As noites e os dias não O envelhecem. A luminosidade e a escuridão não O alteram.
Não se pode dizer que Ele tenha um limite ou uma extremidade, nem fim nem terminação; nem as coisas O controlam de maneira a O exaltar nem rebaixar, nem nada O carrega de maneira a O prostrar nem de maneira a O manter erecto. Ele não está dentro das coisas nem fora delas. Ele comunica noticias, mas sem utilizar uma língua nem uma voz. Ele ouve, mas sem utilizar um sistema auditivo e os seus órgãos. Ele diz, mas não profere palavras. Ele lembra, mas não memoriza. Ele determina, mas sem exercitar a Sua mente. Ele ama e aprova mas sem sentimentalidade. Ele detesta e enerva-se mas sem sofrer. Quando Ele intenciona criar algo Ele diz ‘sê’, e a criação proporciona-se, mas não é um som que atinja a audição. A Sua fala é um ato da Sua criação. O Seu género nunca existiu antes. Se eterno, teria sido o segundo deus.
Não se pode dizer que Ele atingiu a existência após um período de inexistência, porque neste caso os atributos da criação seriam afixados a Ele e não permaneceria nenhuma diferença entre eles (a criação) e Ele (O Criador), e Ele não teria distinção superior a eles. Assim, o Criador e a criação seriam iguais e o iniciador e o iniciado estariam no mesmo nível. Ele criou (toda) a criação sem nenhum exemplo prévio de autoria alheia, e Ele não contou com a assistência de nenhuma das Suas criações no ato da criação.
Ele criou a terra e suspendeu-a sem que tal o sobrecarregasse, reteu-a sem suporte, fez com que se erguesse sem suporte, erigiu-a sem pilares, protegeu-a contra distorções e curvaturas, e defendeu-a contra desmoronamento ou divisões. Ele fixou sobre ela montanhas como estabilizadores, solidificou as suas pedras, causou com que os riachos fluíssem e abriu os seus vales. O que Ele fez não sofreu de vacilação, e o que Ele fortaleceu não sofreu de fraqueza.
Ele manifesta-Se sobre a terra com a Sua autoridade e grandeza. Ele é ciente das suas entranhas através do seu conhecimento e compreensão. Ele tem poder sobre todas as coisas em virtude da Sua sublimidade e dignidade. Nada do que Ele ordene da terra o desafia, nem se opõe a Ele de modo a superar o Seu poder. Nem a criatura de patas ágeis pode fugir Dele de modo a O ultrapassar. Ele não sofre de necessidades para com pessoas com posses de modo a que estes O alimentem. Todas as coisas a Ele se prostram, e todos são humildes perante a Sua grandeza. Eles não podem fugir da Sua autoridade de modo a escapar a Sua bênção ou o Seu castigo. Não existe paralelo a Ele que O possa igualar e nenhum como Ele que O poderá igualar.
Ele irá destruir a terra depois da sua existência, até que tudo o que sobre ela existe passará à inexistência. Mas a extinção do mundo depois da sua criação não é de todo mais estranha do que a sua própria formação e invenção. Como é isto possível? Mesmo se todos os animais da terra, pássaros como bestas, gado de todo o tipo, de diferentes origens e espécies, pessoas inconsequentes ou homens de sabedoria- todos tentassem juntos criar (até) um mosquito eles não conseguiriam e não compreenderiam o método da sua criação. A sua inteligência (fica) subjugada e a vaguear. Os seus poderes mostram-se insuficientes e falham, e voltam desiludidos e cansados, sabendo que estão derrotados e admitem a sua incapacidade de produzir (o processo de criação), apercebendo-se até que são fracos demais para destruir.
De certeza, depois da extinção do mundo, Deus o Glorificado permanecerá sozinho sem nada mais ao Seu lado. Ele será, depois da sua extinção, como Ele era antes da sua produção: sem tempo ou sitio ou momento ou período. Nesta altura, período e tempo não existirão, e anos e horas desaparecerão. Não existirá nada excepto Deus, o Único, o Todo-Poderoso. A Ele retornam todos os assuntos. A sua criação inicial (dos assuntos) não estava no seu poder; e a prevenção da sua extinção (também) não está no seu poder. Se possuísse o poder de o prevenir, viveria para sempre. Quando Ele produziu qualquer coisa do mundo, a concepção não Lhe causou nenhuma dificuldade, e a criação de aquilo que Ele formou não Lhe provocou cansaço. Ele não criou para enaltecer a Sua autoridade nem por receio de perda nem de danos, nem para angariar ajuda contra um inimigo poderoso, nem para procurar vingança contra um adversário com a sua ajuda, nem para estender o Seu domínio com a sua ajuda, nem para ostentar (as Suas extensas posses) a um parceiro, nem porque Se sentia sozinho e precisava de companhia.
E depois da sua criação Ele vai destruir (tudo), mas não por causa de alguma preocupação que O atingiu devido à sua manutenção e administração, nem por nenhum prazer de que vai extrair (do ato de destruição), nem por Se ver ultrapassado por alguma tarefa. A longevidade da sua vida não O cansa de modo a O induzir à sua destruição rápida. Mas Deus, o Glorificado, manteve (a criação) com a Sua bondade, manteve-a intacta com o Seu comando e aperfeiçoou-a com o Seu poder. Depois da destruição, Ele vai ressuscitar (a criação), mas não por alguma necessidade Sua para com ela, nem para procurar assistência contra algum dos seus componentes, nem para mudar da condição de solidão para a condição de acompanhamento, nem da condição de ignorância nem de cegueira para (depois passar à condição) de sabedoria e procura, nem para transacionar de austeridade e necessidade para autossuficiência e abundancia, nem de desgraça e vulgaridade para honra e prestigio.