
Como é argumentado no artigo ‘Somos Governados por Políticos ou Conspiradores?’, a classe política em geral, e sobretudo os governantes de Portugal cada vez mais demonstram ao mesmo tempo uma falta de respeito pela população e um medo tremendo da população. O secretismo da conferência organizada pelo PSD que tem por tema a reforma do Estado social em Portugal, é o ultimo exemplo de como o medo da população, o elitismo e o secretismo resulta num divórcio ainda maior entre a classe política e a população, ofuscando as intenções do governo para com assuntos que afetam a vida de todos. A decisão de impedir aos jornalistas a captura de imagens, de som e de declarações foi criticada pela Sindicato de Jornalistas que qualificou a atitude da organização de ‘absurda’ e ‘ilegítima’. Diga-se de passagem que se esta conferência quisesse verdadeiramente falar sobre o Estado social teria convidado um dos contribuintes do livro ‘Quem Paga o Estado Social em Portugal‘, que argumenta que os trabalhadores pagam mais em impostos do que recebem em serviços do Estado, como demonstra a Raquel Varela, coordenadora do livro, em várias entrevistas. Mas esta conferência parece ter outras intenções, como está implícito no seu secretismo.
A organização diz que o evento junta governantes e a ‘sociedade civil’, que quer ‘discutir com todos‘, e a organizadora diz que “Esta é uma conferência que vive da profundidade que for capaz de alcançar, da liberdade que o debate tiver. As conclusões a que chegar, são conclusões que dependem absolutamente disso. Estar a fazer isto debaixo de gravações de câmaras de televisão que podem condicionar os participantes, julgo que seria um mau serviço.” A organizadora depois diz que os governantes devem ser escrutinados, porém, os intervenientes que não são do governo preferem anonimato. E porque será isto? Pela simples razão que o saboteamento do Estado social beneficia todo o tipo de interesses privados, muitos deles interesses geridos por ex-governantes. Os hospitais privados, as escolas privadas, as empresas de água privadas (no caso da privatização da água), entre outras, têm muito a ganhar com a redução de serviços públicos.
Ainda para mais, se esta conferência foi uma tentativa de ‘juntar todos’ como afirma a organização, porque razão é que um representante dos feirantes (que têm vindo a protestar contra as medidas que restringem a sua capacidade de prosseguir com a sua profissão) foi impedido de comparecer? É sem dúvida nenhuma uma conferência da elite para a elite.

A organização definiu as regras da cobertura mediática da seguinte maneira : “Não haverá registos de imagem e som. A permanência dos jornalistas é permitida. Não haverá (reprodução de) nada do que seja dito sem a expressa autorização dos citados.” Essencialmente, a regra aplicada na conferência do PSD é uma versão da ‘Chatham House Rule‘, desenvolvida pela organização ultra-elitista, imperialista e elitista, a infame Chatham House, e é aplicada ‘de forma a dar anonimato aos intervenientes para promover a abertura e a partilha de informação’. Essencialmente, é uma regra que fornece mais liberdade aos intervenientes, visto que o que quer que eles digam não pode ser legalmente associado a eles. Assim, sem escrutínio, sem conhecimento público, sem disseminação de informação, os que falam não têm que se preocupar com a opinião do público, e podem, neste caso, falar à vontade sobre privatizações de serviços, venda de património, subida de preços de serviços, aumento de taxas moderadoras, aumento das portagens. Enfim, tudo aquilo a que nos têm acostumado, somente desta vez dito com honestidade.
É particularmente interessante constatar que as palavras da própria organização revelam que os intervenientes necessitam de protecção e anonimato para serem capazes de se exprimir com honestidade.
Esta modalidade de conferência é detestável em si. Mas numa conferência onde o tema abordado é o Estado social, e em particular, sendo esta organizada por um partido que chefia um governo que tem atacado os direito sociais e o Estado social de forma inédita no pós 25 de Abril, o secretismo em questão deveria ser particularmente preocupante. Este governo está claramente a desenvolver uma estúpida devoção pelo segredo, e esta devoção só irá alienar ainda mais a população das instituições de representação ‘democrática’. Quem fica a perder, claro, é a própria população.
Afinal, como disse a organizadora, a presença de jornalistas iria restringir os intervenientes e isso seria ‘um mau serviço’. Esta situação demonstra igualmente que a pressão que os movimentos sociais e a sociedade civil vai aplicando sobre os governantes, ao criticar, partilhar, debater, e desconstruir as declarações dos governantes sobre o Estado social não só preocupa o governo, como obriga o governo a organizar eventos, como este, que demonstram a sua verdadeira natureza. Têm medo da população, são elitistas e portanto refugiam-se no secretismo. Eles não gostam de ser criticados, não gostam de ver as suas mentiras desconstruidas, nem sequer gostam de ver as suas palavras reproduzidas.
No primeiro dia, foram os feirantes a manifestarem-se à frente à conferência. No segundo dia (16 de Janeiro de 2013), será o Movimento Sem Emprego e outros movimentos sociais. O evento facebook está acessível aqui.
João Silva Jordão
3 respostas
(…) É particularmente interessante constatar que as palavras da própria organização revelam que os intervenientes necessitam de protecção e anonimidade para serem capazes de se exprimir com honestidade. (…) É com as próprias palavras deles que os podemos criticar. Nem disso se dão conta.
Parabéns. Bom texto.
o jornalismo português está ’30 furos abaixo de cão’ ( praxe de Coimbra)
duvido que a generalidade percebesse o que se estava a dizer.
para mim cada qual tem o direito de pensar o que quiser.
por mim penso que a nossa periferia é cultural e cívica
e que, por razões de mentalidade, o país nunca sairá desta crise.
segundo a neuro ciência o QI é genético
Eu cada vez mais, sinto tamanha repugnância por esta classe política que nos desgoverna há 38 anos. Esta gente está muito longe da realidade económica e social de um país. Como é que esta teve a distinta coragem de cortar em 6% aos desempregados que estão a usufruir do subsídio de desemprego a quem têm direito que não é mais como uma ajuda para ter uma mínima sobrevivência da dignidade humana enquanto não consegue outro emprego. Gostava de ver essa corja no desemprego a receber subsídios no valor de 486 euros e com o corte de 6% a ver reduzido para 456,84 e ainda ter que pagar as suas despesas de sobrevivência. E os reformados e idosos.