Retirado do blog Ministério da Verdade
O João sugeriu-me que escrevesse um artigo sobre um tema que passa muito ao lado da população portuguesa, mas que levanta cada vez mais preocupações nos Estados Unidos (embora ainda não a suficiente).
É o tópico de Turnkey Totalitarianism. Traduzido à letra dá algo como Totalitarismo de Chave na Ignição. Mas uma tradução mais agradável à língua portuguesa seria algo como Totalitarismo Instantâneo.
Qual é a grande dificuldade com que temos de lidar antes de conduzir um carro?
Construí-lo, claro está! Presentemente, nos Estados Unidos, as agências de espionagem já fizeram essa parte. A NSA (National Security Agency / Agência de Segurança Nacional) ergueu um conjunto de infraestruturas cujo objectivo é recolher, armazenar e organizar toda a produção colectiva das comunicações humanas. Telemóveis, telefones, email, media social, pesquisas na Internet, SMS… tudo o que passe por um sistema informático, em todo o mundo.
A primeira parte é a recolha. Esta é feita através de salas de monitorização nas principais companhias de telecomunicações dos Estados Unidos e da intercepção de sinais internacionais que viajam via satélite ou nos cabos de fibra óptica que transmitem a maior parte das comunicações mundiais.
A seguir é feito o arquivamento. Estes centros são também especializados em quebrar cifras (vulgarmente chamadas encriptação, apropriado do inglêsencryption). Um ficheiro ou documento cifrado/encriptado, mesmo que interceptado, é supostamente ilegível sem a palavra-passe correcta. Mas esse poderá ter deixado de ser o caso, se acreditarmos no que nos dizem os funcionários que saíram da NSA por motivos de conflito moral.
Novas técnicas e supercomputadores vão possibilitar quebrar as cifras vulgarmente usadas como a AES. Isto significa que as comunicações bancárias deixaram de ser seguras. Ou as comunicações diplomáticas e governamentais. Significa que os activistas que dependem da encriptação para a sua segurança passam a estar expostos. E mesmo se utilizarmos formas de encriptação mais seguras e complexas, a NSA irá simplesmente armazenar essas comunicações até o próximo avanço tecnológico permitir quebrar a cifra usada. A longo prazo, nenhum segredo poderá estar a salvo. No entanto, isto ainda não é certo, e uma boa cultura de encriptação continua a ser a nossa melhor salvaguarda.
Mas surge a pergunta óbvia. Estamos a falar de quantidades massivas de dados. Mas um Império tem bolsos fundos… O alvo para o Departamento de Defesa americano é uma capacidade de yottabytes. Tendo em conta que se prevê que até 2015 o tráfego global de Internet seja 966 exabytes por ano (e seria preciso um milhão deles para encher um yottabyte) há espaço quanto baste.
A última parte é a organização. Aqueles que desconsideram estas tecnologias usam o raciocínio de que é impossível fazer sentido destas quantidades gigantescas de informação. Mas isto não é o tempo da Stasi. Não precisa de haver um pequeno troll dos serviços secretos a vigiar em tempo real o que o Zé e a Maria dizem e depois armazenar o relatório num ficheiro (daqueles à antiga). O que realmente acontece é que são usados programas de gestão da informação (criados por empresas privadas) que estabelecem ligações entre os dados através de elementos como números de identificação, nomes, datas, pontos de contacto (este telemóvel falou com este, esta conta de email enviou para aquela), localização geográfica, entre outros, de forma a criar uma teia de informação.
Depois imaginem que o Zé e a Maria participam num protesto contra a guerra no Iraque. São ambos identificados pela polícia e colocados numa lista qualquer de “subversivos” (algo que já acontece). Eis que a NSA procura pelos seus nomes na base de dados e xaram: idade, historial médico, emails, informação bancária, rede de contactos, família, amigos e quantas vezes por dia se coçam. Toda a enormidade de informações sobre cada indivíduo que foi introduzida no sistema à distância de uma tecla.
Parece-vos improvável mesmo assim? Considerem a forma como tantas vezes o Google adivinha o que iam escrever com base em meia palavra. Consegue fazê-lo porque construiu uma teia semelhante de informações sobre todos nós através do que introduzimos no seu sistema. As secretas americanas têm acesso a tudo o que o Google tem (não se esqueçam de quão porosa é a relação entre as grandes corporações e o Estados capitalistas – muitas delas ajudam activamente a criar e manter estes sistemas, facilitando o acesso às suas infraestruturas, criando equipamento, disponibilizando técnicos, etc.) mas ainda a muito mais. Para além disso, possuem recursos praticamente ilimitados. Não fica pintado um cenário muito agradável.
O carro está quase montado. Mas ainda faltam umas peças para poder colocar a chave na ignição.
Saber tudo sobre toda a gente é sem dúvida importante, mas isso apenas não garante o totalitarismo instantâneo. No entanto (e não me vou alargar nesta parte) sabemos que os Estados Unidos estão transformados numa nação de polícia militarizada, com a maior taxa de encarceramento do mundo e onde a Constituição e a Lei são cada vez mais letra morta(lembra-vos alguma coisa?), onde o Imperador Bush tornou legítimo levar a cabo guerras de agressão com a experiência do Afeganistão e Iraque e onde agora o Imperador Obama, como o bom burocrata que é, tornou as coisas mais eficientes com uma rede global de drones que circula o planeta à procura de terroristas para lhes largar um míssil na tola. O que é um terrorista? Quem quer que ponha em causa os interesses da cleptocracia em controlo dos Estados Unidos, inclusive cidadãos americanos, que podem ser pulverizados sem julgamento se o Imperador assim o decidir. No melhor dos casos, podem só meter o vosso nome numa lista por engano, o que fará com que sejam raptados e torturados algures num país do terceiro mundo. Se pertencerem a uma organização, talvez façam como fizeram à Wikileaks e lhes cortem o acesso ao sistema bancário mundialou à Internet.
O que tudo isto demonstra é: estamos a lidar com um Império que é um autêntico comboio desgovernado, sem qualquer respeito pela Democracia e Justiça, pronto a usar a morte e a tortura para manter o seu poder, e esse Império irá em breve terminar os preparativos finais na maior máquina de espionagem alguma vez vista pela Humanidade, capaz de a qualquer momento entregar todos os detalhes que passem por um sistema informático de qualquer pessoa no planeta.
Sentem-se confortáveis? O carro está montado. A chave está na ignição. Tudo o que é preciso para varrer os últimos vestígios moribundos da Democracia é virar a chave. Totalitarismo Instantâneo.
Gostariam de saber como fazer para se começarem a proteger? O ano passado escrevi o Guia do Paranóico, que ainda está actual.
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