Lutar Contra o Desemprego vai Depender de Reformas Estruturais

Nota Editorial: Escrevi este texto em Junho de 2012, mas como o site onde estava publicado já não está ativo, e por pensar que o seu conteúdo ainda é atual, tomo a liberdade de o publicar aqui.

Existem duas maneiras distintas de compreender o desemprego; cada visão reflete um paradigma económico e social diferente e subsequentemente, cada um cultiva uma atitude diferente para com os desempregados. Temos duas visões mutualmente exclusivas; de um lado uma visão que interpreta o desemprego como sendo residual, e do outro, uma visão que interpreta o desemprego como sendo estrutural. O paradigma do emprego residual descreve o desemprego como estando nas margens do sistema económico, resultado de flutuações temporárias da oferta de trabalho e da prosperidade económica, entre outros factores.  Pelo contrário, o paradigma do desemprego estrutural identifica o desemprego como estando constantemente em relação direta com o mundo do emprego, assim como fazendo parte integral do próprio sistema económico e político predominante.

Desemprego Residual e Estrutural II

Podemos então analisar como estas duas conceitualizações distintas levam a conclusões diferentes sobre o sistema económico e político os e produzem atitudes diferentes para com os próprios desempregados. Se o desemprego é residual, então o desempregado pode ser culpabilizado: a sua situação é fruto da sua própria inatividade, da sua falta de capacidade de contribuir para a sociedade, ou até da sua preguiça. Porém, se o desemprego é estrutural, então uma parte da população estará necessariamente condenada a cair no desemprego. Neste caso, os desempregados não são culpados, nem muito menos parasitas da sociedade, pelo contrário, são vitimas de um sistema que necessita da sua existência na condição de desempregados para que este mesmo sistema possa continuar a funcionar na ‘normalidade’.

Para compreender o sistema económico modernos devemos considerar que “o capitalismo global já não funciona na base de expansão e incorporação mas sim numa nova lógica de consolidação e exclusão” (Duffield, 2011, pp 4), ou seja, a exclusão de uma grande parte da população dos benefícios do capitalismo é essencial para o seu funcionamento e perpetuação. Ainda para mais, a existência de mão de obra barata assim como o sucesso da maioria dos processos de redução dos direitos dos empregados necessita hoje em dia de um contingente de desempregados considerável: havendo muitos desempregados, aqueles que estão empregados temem pela perda do seu trabalho dada a existência de pessoas capazes e desesperadas para tomar o seu posto, baixando assim o seu salário e a sua capacidade de negociação individual e colectiva.

Ou seja, regra geral, quanto mais desempregados houverem, mais baixos serão os salários.

Ora, a imposição de tal sistema não só é imoral, fazendo com que a existência de altos níveis de exclusão social e pobreza sejam garantidos, seja qual for a situação económica ou política, é de facto igualmente ilegal e contraditório com a Constituição da República Portuguesa, que afirma;

Artigo 58º (Direito ao trabalho)

  1. Todos têm direito ao trabalho.
  2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
  3. a) A execução de políticas de pleno emprego;
  4. b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;
  5. c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.

Ora, o pleno emprego é precisamente impossível sem que sejam implementadas reformas estruturais profundas.

Existe um consenso informal que o desemprego é de facto estrutural, e não residual. Segundo um estudo financiado pelo Banco Central Europeu (BCE), o desemprego estrutural é principalmente o resultado de três factores:  a mobilidade dos trabalhadores, a mobilidade do emprego e os custos de negociação dos salários (van Rens, 2011). É normal que este estudo, sendo financiado pelo BCE, se esqueça de mencionar que a própria dinâmica de produção monetária produz necessariamente uma divida impagável, ou porque emite uma divida como resultado do facto da emissão da mesma estar sujeita a taxas de juro, ou porque capital é emitido a partir de empréstimos bancários, onde os bancos utilizam certificados de divida como se fosse valor real. Também não menciona que grande parte do capital disponível ou vai para pagar juros de divida, sendo que 31 dos 74 mil milhões do empréstimo da Troika de 2011 foi para pagar juros de divida pública anterior.

Krugman menciona que no caso Americano, se de facto o desemprego estrutural for resultado dos trabalhadores estarem mal adaptados às necessidades económicas, então aqueles com as qualificações ‘certas’ estariam a ter aumentos salariais. Porém, ‘existem muitos poucos a beneficiar de entre a força de trabalho’ (Krugman, 2012). Em Portugal, se o capitalismo selvagem continuar sem ser questionado, se a economia não for estruturalmente reformada, e se o Estado continuar simplesmente o veículo através do qual os ricos e poderosos consolidam a sua dominância, então o desemprego que se demonstra hoje estrutural, inevitável e destruidor continuará a aumentar.

Bibliografia:

Carregueiro, Nuno; Junho 2012; ‘Acções do BES disparam mais de 12% com planos de recapitalização do BCP e BPI’; Jornal de Negócios Disponível: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=560993

Constituição da República Portuguesa, VII Revisão Institucional; 2005; Assembleia da República; Lisboa

Duffield, Mark; 2001; ‘Global Governance and the New Wars: The Merging of Development and Security’; Zed Books, London

Krugman, Paul; Novembro de 2010; ‘Defining Structural Unemployment‘; New York Times, New York; Available: http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/11/29/defining-structural-unemployment/

Krugman, Paul; Maio de 2012; ‘Early Useless Economics‘; New York Times, New York; Available: http://www.nytimes.com/2012/05/11/opinion/krugman-easy-useless-economics.html

van Rens, Thijs; 2011; ‘Structural Unemployment‘; ECB/CEPR/IFW Labour Market Workshop on “Wages in a Time of Adjustment And Restructuring”; European Central Bank, Frankfurt am Main

 

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