O “Negócio da China” das Máscaras, o Oportunismo Execrável

Entre 15 de março e 23 de abril o Governo procedeu a 17 aquisições acima de 1 milhão de euros a 7 fornecedores diferentes por ajuste direto. Se considerarmos que a pandemia foi algo imprevisível que estalou nas nossas mãos e que gerou a necessidade de criar medidas de proteção excepcionais com a máxima celeridade, estas ações seriam até toleráveis, considerando a urgência da tomada de decisões políticas. Segundo o Correio da Manhã o equipamento adquirido inclui máscaras e álcool-gel num total próximo dos 80 milhões de euros. Apesar dos valores das aquisições terem sido publicados no Portal dos Contratos Públicos, os contratos não o foram, violando assim a transparência exigível. Foi aliás para isso que foi criado o Portal, não para esconder as cartas na manga. As empresas beneficiadas foram: GLSMED TRADE (do Grupo Luz Saúde), FHC – Farmacêutica, Modalfa-Comércio e Serviços (do Grupo Sonae), Quilaban, Clothe-Up Desenvolvimento Têxtil Unipessoal, Pergut Portugal, Fapomed – Dispositivos Médicos. O Ministério da Saúde (Serviços Partilhados do Ministério Saúde) justificou a falta de contratos escritos com a “urgência” das compras e para isso aceitou apenas o caderno de encargos e a proposta do adjudicatário, onde constam as obrigações e direitos das partes interessadas, documentos que, “curiosamente” também não foram disponibilizados no Portal da “Transparência”, à data das aquisições. O Presidente da Associação Transparência e Integridade classificou este caso de “absoluta falta de transparência”.

E a questão fulcral coloca-se desta forma: contratações que vão dos 1,59 milhões aos 33 milhões de euros de boca, sem um documento legal para o efeito, num total de 80 milhões? De repente os portugueses são todos sérios e aceitam a boa palavra um dos outros?

Eu já vi acordos deste tipo, mas só em Hollywood, em filmes que normalmente metem gangs e máfias de várias naturezas. Acordos verbais, trocas de favores, negócios de milhões com base na palavra e, claro, numa folha de cálculo. Não supunha que era assim que se faziam acordos em tempo de pandemia. Mas, se calhar, o Estado de Emergência tem um toque de Lei Marcial, que, por definição permite o controlo da administração ordinária da justiça, suspendendo as liberdades fundamentais dos cidadãos, como por exemplo a da transparência do Estado. O decreto-lei n.º 18/20, da adjudicação foi lançado apenas no dia 23, quase no limite do fim do regime de excepção do Estado de Emergência. A inexistência de concurso público (obrigatório para verbas deste porte) ou de contratos escritos seriam desculpáveis desde que tudo tivesse sido discutido abertamente e que os documentos existentes fossem disponibilizados na plataforma “transparente” dos contratos do Estado. Mas tal não sucedeu. Permaneceu na zona cinzenta. Apenas alguns iluminados tiveram acesso às valiosas informações, que totalizam 80 milhões. Não deixa de ser interessante uma passagem do decreto que refere especificamente “…pode ser, excecionalmente, adotado, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa, devidamente fundamentada, e independentemente do preço contratual e até ao limite do cabimento orçamental, o regime do procedimento de ajuste direto…”. Saliento neste ponto, que este texto é perturbador. Na mesma frase justifica-se que os ajustes diretos serão aqueles que se considerem apenas necessários, uma perspetiva modesta, para nove palavras mais à frente, se deixar claro que é pelo preço contratual que se entender, ou seja qualquer que seja o valor unitário dos materiais, concluindo novamente de forma modesta, que é só até ao limite orçamental, ou seja, uns meros 80 milhões. Creio que neste ponto, já ficou claro como uma simples frase se ri na cara dos portugueses. Porque somos nós, contribuientes, quem vai pagar estes negócios de ajuste direto.

Como se não bastasse o facto das adjudicações terem sido feitas à pressa antes de terminar o regime de excepção, o texto da lei ser dúbio, a falta de transparência de todo o processo no Portal de Contratos, também ficámos a saber que a falta de contratos, defende os fornecedores a não terem prazos lógicos para fazer face à situação crítica de saúde que levou à existência do mesmo decreto-lei excepcional. Em mais detalhe, por exemplo, a Quilaban, empresa controlada por João Cordeiro, antigo presidente da ANF – Associação Nacional das Farmácias e ex-candidato à Câmara Municipal de Cascais, firmou a 7 de abril um contrato de 9,03 milhões de euros para o fornecimento à DGS de 1 milhão de máscaras cirúrgicas tipo II e 3 milhões de máscaras-respiradores FFP2 (feitas pela empresa Anqing Hualei textile material CO, Ltd). Uma pequena empresa, insuspeita. No entanto, este simples negócio, representa um terço da faturação anual desta empresa, de acordo com o artigo do Expresso. Apesar de o decreto-lei justificar as adjudicações diretas de milhões por “urgência imperiosa a empresa Quilaban compromete-se a entregar os materiais 268 dias depois do dia 23 de abril, ou seja, no início de 2021 ? Como se não bastasse toda a influência política que rodeia a figura de João Cordeiro, no mundo das influências, ainda se coloca outra questão: as máscaras vieram da empresa Raytex de Wuhan, o ground zero da infeção na China, onde morreram milhares de pessoas, sendo que ainda não está clarificada a posição oficial deste país na origem do focus da pandemia.

Outro negócio milionário com a China, através da GLSMED Trade, subsidiária da LUZ Saúde, que explora o Hospital da Luz, detido por acionistas da Fosun chinesa, garante o fornecimento de 13,8 milhões de máscaras (20 milhões de máscaras cirúrgicas) e 400 mil testes. E nesse ponto, também se coloca uma questão de ética: porquê favorecer o negócio com o país que poderá estar na origem da causa de todo este pandemónio social e económico? Vamos supor que nada disto são contrapartidas para com a China. Vamos supor que tudo isto não passa de muita confusão, por causa da emergência da situação. Mas, será que podemos mesmo supor que a ausência de transparência em todo o processo e as condições em que estes “negócios de milhões” foram estabelecidas favorecem apenas a defesa dos interesses dos portugueses? Ou favorecem os interesses comerciais e económicos da China?

A 4 de maio, quando confrontado com o jornalista da revista Sábado, o próprio João Cordeiro comentou que o prazo de entrega de 268 dias era “aberrante”. E no entanto consta no despacho do Governo, de forma inequívoca:

As evidências parecem ser tão gritantes que levaram Paulo Morais a classificar este negócio como um evidente favoritismo, o que justificaria a falta de transparência contratual. Na entrevista ao jornalista Carlos Narciso, Morais chega mesmo a afirmar: “eu não suspeito de compadrio; eu tenho a certeza que há compadrio; não façam dos portugueses estúpidos”. Mas não é o único na lista dos 7 fornecedores. A encomenda de 3,5 milhões de euros em máscaras e respiradores à PERGUT Portugal também prevê uma “urgência imperiosa” de 252 dias. É caso para perguntar a Goes Pinheiro, Presidente da SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), responsável pela gestão destes cadernos de encargos. Talvez a Polícia Judiciária possa encontrar nestes negócios, mais alguns “podres”.

Como se não bastasse toda esta polémica, outra se vem juntar ao bolo da falta de transparência. A notícia de que mais de 1.151 ventiladores, adquiridos para duplicarem a capacidade de resposta de doentes internados em cuidados intensivos, se encontram algures no país de origem , mergulhados em burocracia alfandegária. Apenas 73 já chegaram a Portugal. Curiosamente o padrão repete-se: também aquisição do Ministério da Saúde e também a China como fornecedor. Na realidade a fatia gorda do orçamento do Governo para os equipamentos de proteção vai para a China. Todo este processo pandémico mundial vai revelando aos poucos os interesses sórdidos de empresas privadas, de países envolvidos, dos atores por detrás dos negócios. Claramente já deixa antever que são sempre os mesmos interlocutores que aparecem na equação dos lucros de biliões de material de proteção, desinfeção e, brevemente, o maior negócio de todos, a Vacina.

Texto de Pedro M. Duarte

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