Será possível que a pandemia tenha sido inventada para nos incomodar? (6)

O primeiro artigo desta série está disponível aqui.

“Não me sigam, eu também estou perdido” é uma frase que aparece na traseira de alguns automóveis e corresponde à imagem pública das decisões do governo a respeito da pandemia. Começaram por dizer que seguiam a ciência, quando fecharam as escolas contra o parecer do conselho nacional de saúde pública, em Março. Em Janeiro, pressionados por uma ciência diferente, que reclama o fecho das escolas, o governo assumiu a responsabilidade, que nunca deixou de ser a sua, de decidir pela abertura das escolas. Em Março, o Presidente e o Primeiro-ministro competiam entre si em dar os parabéns às suas medidas e ao povo português por terem sido a força que dobrou a curva estatística de infectados e mortos. Em Janeiro, com o aumento de procura dos cuidados de saúde, a culpa foi dos portugueses terem faltado à confiança que o governo lhes deu para se auto-organizarem no Natal, protegendo-se do vírus.

Pode acontecer que os portugueses (recordistas de mortos em Janeiro) se tenham cansado de seguir os noticiários dramáticos e pouco elucidativos que pressionam os governantes a reagir no imediato para os jornalistas e a ficarem à espera que a coisa passe, para que tudo fique na mesma para as elites, depois da pandemia passar. Mas também pode acontecer, como alguns estudos sugerem, que as medidas de confinamento são contraproducentes para o controlo da doença. O que se pode afirmar com segurança é que a ciência das receitas e a política de se esconder atrás dessa ciência para segurar as pontas da pandemia não ajudam grande coisa.

A ciência começou no século XVI, a par dos Descobrimentos, com o trabalho do alquimista Issac Newton. Decidiu unificar o universo, como o monoteísmo tinha feito com o politeísmo. Em vez da conjugação de elementos – fogo, ar, terra, água – o universo seria composto de massas – sólidas, líquidas ou gasosas – cuja característica comum era a mútua atracção, a gravitação universal. A mecânica matematizada traduziria a fonte primeira, universal, da ordem cósmica e, também, terrena. Einstein, contemporâneo da luta de classes que inspirava a contradição ideológica entre capitalismo e socialismo, entre o homo economicus e o Homem Novo, imaginou a existência de diferentes regimes da física, conforme a relação que se estabelecesse entre massa e energia. Havia ondas gravitacionais que homogeneizavam as diferentes partes do universo, nas suas diferenças. A física quântica achou tudo isto muito estranho. Umas vezes a ciência dominante acredita na convergência de elementos ou estados que induzem a realidade e outras vezes acredita em forças únicas de onde se deduzem diferentes realidades. Em vez dividir e voltar a reunir sucessivamente elementos, estados, massas, energias, conforme as modas intelectuais do momento, a física quântica notou haver uma influência importante dos instrumentos técnicos de observação usados por uns e por outros – os telescópios e os microscópios observam realidades desligadas entre si. Isso separa irremediavelmente as ideias que os cientistas fazem e podem fazer do mundo. Não havendo quem se possa colocar numa posição de observar tudo ao mesmo tempo, o melhor é usar-se um critério pragmático para apuramento da verdade: será ajustadamente verdade aquilo a partir do que se podem tirar lições sobre como resolver problemas práticos. É a tecno-ciência. Um critério equivalente foi adoptado pelas correntes pós-modernas, pós-coloniais, criando um dilema epistemológico que continua a dividir universalistas e relativistas.

A ciência é a arte de fazer perguntas difíceis, aparentemente impossíveis, cujas respostas provisórias e dominantes dependem da época e da experiência sociais. O que coloca um problema para quem, como os políticos que querem ouvir a ciência: cada cientista sua sentença.

O que os políticos e todas as pessoas precisam é de cultura científica, em vez da reverência à ciência que é ensinada nas escolas e nas universidades. O que se ensina hoje é que a ciência é uma crença nos saberes dos especialistas autorizados a que ninguém toma atenção. Os profissionais aprendem a usar os seus conhecimentos em função da maximização dos seus próprios interesses ou os daqueles para quem trabalham. A hombridade e a moral não são as características mais apreciadas pelas sociedades actuais, atacadas pela corrupção e a venalidade. Quando os cientistas ficam algum tempo no palco da condução política, a servir de escudo aos desorientados políticos, logo fica claro que os cientistas não são a ciência, do mesmo modo que a estatística não coincide com os casos individuais. isto é, os níveis de realidade individual e social são distintos e, tal como nas leis da física, as regras que organizam as vidas individuais e sociais são diferentes, como a psicologia é diferente da sociologia.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece haver um grave problema de saúde mental, como a depressão, no mundo. Recomenda aos médicos que não se deixem guiar por teorias biomédicas, as que imaginam serem causas biológicas e individuais que causam as doenças. As depressões correspondem a problemas sociais que vitimam os doentes. A medicação pode atenuar, mas não cura a doença. O que cura é a tomada de consciência dos problemas sociais indutores da doença e a procura de alternativas capazes de alterar a situação.

“O pior do Capitalismo e do Comunismo”
3 Jullho 1991, Moscovo, Rússia – George H. W. Bush e Goarbatchev Apertam as mãos — Imagem de Peter Turnley/Corbis

A pandemia de depressão que a pandemia da COVID-19 veio agravar é, em parte, resultado da educação em ciência separar, em vez de conjugar, os níveis individuais e sociais, as diferentes disciplinas das ciências sociais, estas e as ciências naturais. As pandemias encontram a humanidade dividida entre a sociedade, representada pelo estado, a que quer respeitar as leis e as ordens, e as pessoas individuais, como as que não podem respeitar as leis e as ordens, excluídas da sociedade. Nomeadamente, os idosos isolados que preferem não estar isolados nos seus últimos dias, os que não têm acesso a condições de habitabilidade dignas nem dinheiro para se aquecerem, aqueles a quem os rendimentos desapareceram com o confinamento. Aos indivíduos (clientes de casas de repouso, empresários e trabalhadores) é pedido que suspendam a sua relação com as suas pessoas e respectivas famílias. O governo afirma estar focado em cuidar da saúde das pessoas, mas fá-lo orientando a sociedade para comportamentos reconhecidamente impraticáveis. Deixa serem os profissionais de saúde, habituados a confrontar-se sozinhos com as epidemias sazonais, a usarem os meios de comunicação social para manifestarem o seu desespero, feito de falta antiga de condições de trabalho e de abandono social dos profissionais nas suas aspirações profissionais.

No tempo do Sócrates, os médicos e outros profissionais altamente qualificados, foram expostos em praça pública para humilhação capaz de justificar a redução de salários e de estatuto profissional, a quem Passos Coelho recomendou que procurassem saídas profissionais fora do país. Hoje, quando os doentes precisam de médicos e enfermeiros, os batalhões de emigrantes qualificados não estão disponíveis para vir ajudar os portugueses.

Entretanto, a COVID-19, como a depressão ou qualquer outra doença, não tem apenas uma causa biomédica. Por isso os médicos e o governo insistem tanto em controlar o comportamento das pessoas, a quem, em desespero, começaram a acusar de serem culpadas da pandemia. O SARS-Cov2 causa sobretudo doença a pessoas em situações sociais que as fragilizam. Se os portugueses tivessem dado prioridade aos cuidados de saúde nas últimas décadas, em vez de pensarem em dinheiro, teriam de ter dado atenção às pessoas em vez de explorarem os indivíduos a que somos ensinados e obrigados a reduzir-nos. Ainda que possa haver medicação capaz de reduzir os sintomas da doença, a cura da nossa fragilidade social às pandemias, à depressão, à COVID e às outras que alguns especialistas e a OMS esperam aparecer nos próximos anos, tem de ser procurada noutro lado e de outra maneira.

Johann Hari, especialista em adicções e depressão, fez uma conversa TED onde confessou ter passado 20 anos em depressão. Curou-se dela quando aceitou romper com o paradigma biomédico, a ideia de que a cura para as doenças é química e artificial, superficial. Quando compreendeu que a doença era um sinal de haver algum problema grave na sua vida que não queria enfrentar, criou as condições para se curar da doença.  

No caso da COVID-19, a OMS reconheceu a sua ignorância sobre como lidar com o risco de pandemia. Pela primeira vez na história da humanidade, suscitou a organização de um confinamento geral preventivo, mesmo antes de se saber da presença do vírus, com o argumento de a maioria das pessoas infectadas estarem assintomáticas. A China aceitou a recomendação. O mundo ocidental imaginou-se livre da pandemia, como habitualmente. Esqueceu-se da degradação dos padrões de vida que tem insistentemente perseguido, para competir no mundo globalizado. Assustado, dividido, desorientado, como qualquer drogadito, incapaz de reconhecer os problemas sociais que vulnerabilizam as nossas sociedades e instituições às doenças, o ocidente entrou em negacionismo. Uns preferem negar a existência do vírus. Outros negam antes os problemas sociais que tornam o vírus uma pandemia.

Na verdade, sabe-se que o vírus já circulava havia alguns anos, tendo os seus efeitos passado desapercebidos. Como passam politicamente desapercebidos os picos sazonais de outras epidemias que fazem as estatísticas de mortes variar sistematicamente com as estações. Isto é, as sociedades e os estados modernos têm vivido confortáveis com a desprotecção dos mais frágeis perante o clima, como se não existissem formas de climatização das casas.

A pandemia é, pois, um resultado de uma conjugação de políticas e bio-políticas: é um sinal de algo errado que causa doenças, um tipo de vício que leva os portugueses, e outros povos, a criar as condições de insalubridade em que uma doença se torna uma pandemia. Já todos notámos que o problema da climatização das habitações dos mais pobres e excluídos se tornou um problema de clima e de toda a humanidade, tal como gangrenas ou pneumonias mal-tratadas degeneram em septicemia.  

Em 2008, ano da falência do sistema financeiro global, Alain Supiot escreveu no Le Monde que na Europa se vivia uma conjugação do pior do capitalismo com o pior do comunismo. O espírito do estado social, a lógica win-win dos jogos de soma positiva, degradou-se com o tempo num estado social real em que todos perdem. Os políticos revelam-se incapazes de chegar a acordo sobre o básico, como prevenir os desastres ecológicos fabricados pela humanidade. Continuam a proteger as elites dos super-ricos, que não sabem o que fazer, desprotegendo milhões de pessoas abandonadas à sua sorte. Porque acordariam em fazer frente a uma pandemia, não seja para manter tudo como está? A grande alegria das elites é o desejo social de que tudo volte ao normal, à situação que gerou as pandemias de que sofre a humanidade e o planeta. O que é preciso fazer é tomar consciência dos ciclos viciosos que geram as doenças, físicas e políticas, individuais e sociais.

FIM

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2 respostas

  1. Saindo do manto diáfano das ciências mais ou menos vendidas ao sistema e passando à realidade objectiva mais prosaica, não podemos deixar de constatar que o novo pacote de medidas imposto pelo governo, depois de continuamente acossado pelos defensores do concentracionismo, primam pela inteligência, levada ao mais alto grau. Fecham-se os jardins e passeios junto ao mar, esses verdadeiros antros de contágio para impedir as pessoas de se infectarem umas às outras através da aspiração do ar puro e dos enxames de virus, os quais, como já está cientificamente demonstrado, ganham asas nas suas frequentes mutações. Sim, meus amigos. O governo, sempre tão sensível às narrativas mais ou menos pseudocientíficas, acredita piamente que o bicho agora já tem asas e vai daí, impõe a obrigatoriedade de usar máscara na rua. A medida seguinte é a obrigação do uso de máscara em casa. Ao mesmo tempo, obrigam-se os velhotes dos lares a receber a vacina, apesar de ela ser ineficaz nos mais idosos e de se multiplicarem as mortes de muitos dos que a receberam: 55 nos EUA, 30 na Noruega, etc.
    Como é admirável este Mundo Novo. Porque será?????

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