O ano de 2020 marcou o pico de discurso divisionista e de ódio de Donald Trump e dos seus seguidores e apoiantes. Mas felizmente marcou também o princípio do fim do seu mandato. E em 2021, foi substituído na Casa Branca por Joe Biden.
Os quatro filmes da saga “The Purge”, foram lançados em 2013, 2014, 2016, 2018, com os títulos respetivamente “The Purge“, “The Purge: Anarchy“, “The Purge:Election Year” e “The First Purge“. Em 2018 foi lançada a série com o mesmo nome, que durou duas temporadas tendo terminado a 17 de dezembro de 2019. E para 9 de julho deste ano de 2021 está previsto o lançamento do último filme desta saga “The Forever Purge“.
Mas afinal como está relacionado o conteúdo desta série com o mandato de Trump?

A saga de terror lança um tema pseudo-verosímil, uma distopia passada apenas nos EUA onde uma vez por ano, durante um período de 12 horas, das sete da noite às sete da manhã, quem quiser, é livre de matar qualquer pessoa e de cometer todo o tipo de crimes para libertar os seus instintos assassinos, para durante o resto do ano poder levar uma vida tranquila. Desta forma o Governo garantia resolver os problemas como desemprego, pobreza e envelhecimento populacional. Seria uma espécie de “Lei do Mais Forte” implementada violenta mas legalmente numa sociedade ocidental. Este conceito foi criado por James DeMonaco e por muito aterrador que possa parecer, a série encarrega-se de o tornar “normal” aos olhos dos espetadores. O sucesso desta saga permitiu transformar um custo de 35 milhões num lucro de 447 milhões de dólares. E isto apenas com os quatro filmes já lançados.
O tema baseia-se na violência dos “jogos” de morte levados a cabo pelos antigos romanos, nos coliseus e arenas. Aqueles que eram considerados traidores da Pátria e dos seus princípios, inimigos e opositores ao regime, eram barbaramente mortos em público, obrigados a lutar entre eles até à morte, ou contra feras esfomeadas, com plateias em êxtase a assistir. Era o principal acontecimento de Roma Antiga e destinava-se a manter a população “hipnotizada” pelo sangue. O medo de estar do outro lado, na arena, mantinha a população obediente. Mas desenvolvia também um espírito dominador sobre outros povos considerados mais fracos, relativamente a Roma. Afinal “a União Faz a Força” e desta forma o Império mostrava as suas garras a quem o quisesse defrontar. Desde tempos imemoriais que a guerra, a violência bárbara e o derramamento de sangue são esquemas sociais para manter o povo subjugado e dividido.
A associação de Trump à saga “The Purge” começou no lançamento a 1 de julho de 2016 do filme “The Purge: Election Year”, uma clara alusão às eleições presidenciais norte-americanas que se viriam a realizar nesse mesmo ano, a 8 de novembro. Mas na altura ainda não havia uma ligação evidente, para a maioria das pessoas. Apenas no início de 2017, quando Trump anunciou o slogan “Keep America Great” ficou clara a ligação direta ao subtítulo do filme lançado no ano anterior. A Casa Branca, mais propriamente Jared Kushner, contratou Josh Raffael, o publicitário da saga “The Purge” para participar no Departamento Americano para a Inovação, o qual era liderado pelo próprio Kushner, sob ordens diretas de Donald Trump. Um Departamento que imediatamente contactou Bill Gates, Elon Musk e Tim Cook. Kushner foi nomeado Conselheiro Sénior de Trump, uma figura polémica, publicamente acusado de nepotismo e falta de experiência. Kushner é o típico filho de pais milionários com vícios de “menino rico”. Em 2005 adquiriu o grupo de Media “The Observer”. Casado com a primeira filha de Ivana Trump, é suspeito de ter incriminado o próprio pai para herdar a gestão dos seus negócios. É também suspeito de ter sido a principal ligação com oficiais russos, que terão ajudado Trump a vencer as eleições em 2016, por manipulação de cookies nas redes sociais.

Porque teria então Jared Kushner, o favorecido por nepotismo, genro e Conselheiro Sénior de Donald Trump, contratado o publicitário Josh Raffael da saga “The Purge”?
A escolha do slogan “Keep America Great“, não foi inocente, mas estranhamente foi visto como “natural” por um dos principais produtores da saga, um evidente apoiante de Donald Trump. Todo o mandato deste Presidente foi marcado por fakenews, divisionismo e discurso de ódio, espalhado nos media e nas redes sociais pelos seus apoiantes, mas mais grave, pelo próprio Trump. O seu estilo ofensivo ao estilo de imperador romano nunca deixou dúvidas quanto aos estragos que faria à democracia norte-americana. O ano de 2020 foi o clímax do acumular deste divisionismo estratégico. A morte em larga escala nas cidades, o racismo instigado pela extrema-direita, a anarquia urbana, o caos social, os sistemas militarizados implementados durante a pandemia como o recolher obrigatório e outras regras que se sobrepõem à lógica social democrática, o desprezo pela morte e pelos mais pobres, a escolha de quem vive e quem morre, são tudo temas abordados na saga “The Purge”, como sendo instrumentos de distopia.
Curiosamente, o filme de 2016, o mesmo que revelou o subtítulo do filme como slogan e mote de campanha de Trump em 2020, tem uma narrativa passada em Washington, na qual o Presidente aniquilaria o seu candidato oponente, que no entanto saiu ganhador, graças à sua resiliência em derrotar o Presidente de perfil totalitário. Exatamente o que se passou no terreno eleitoral em 2019 e 2020, na luta até ao último minuto pelo lugar de Presidente, entre Trump e Biden. O paralelismo e as ligações são demasiadas para serem descartadas. Em 2018 já alguns jornais assumiam as conexões óbvias entre o estilo Trump e muitos dos factos “fictícios” narrados na saga “The Purge”.
Para além destas ligações, inúmeras expressões adotadas por Trump ao longo do seu mandato têm correlação direta com o léxico da série. Por exemplo a expressão “Founding Fathers” utilizada inúmeras vezes por Trump, é uma das expressões mais utilizadas na saga, já que NFFA, o Governo distópico da saga “The Purge” é uma sigla que significa “New Founding Fathers of America”, uma clara alusão à oligarquia das sociedades secretas, os tais que defendem o conceito “A Nova Roma”, cognome aliás dado a Washington pelos maçons que traçaram o seu desenho simbólico-esotérico.
Em 2018, em pleno mandato de Trump, é lançado o filme “The First Purge” onde o racismo contra os afro-americanos é o tema principal. São mesmo associados com a pobreza da sociedade que é necessário irradicar através do sistema “The Purge” implementado pela NFFA. Inúmeros paralelismos podem ser feitos com muito do que aconteceu em 2020. No filme, os polícias corruptos que matam negros e pobres, aceleram a purga ao matarem industrialmente para incentivar a este sistema bárbaro, usavam tattoos neonazis. Dessa forma tornariam este tipo de violência “normal” e aceite pela sociedade. Curiosamente, os polícias que mataram George Floyd foram acusados de estarem associados à extrema-direita. E Trump que utilizou na sua primeira campanha o slogan “America First” utilizado um século antes pelo Ku Klux Klan, empunhou a Bíblia em 2020 num gesto de extrema-direita muito simbólico, dizendo que iria esmagar aqueles que estavam a vandalizar as ruas. No filme “The First Purge” a comunidade afroamericana viu-se obrigada a criar um movimento de resistência para fazer frente à sua perseguição. Em 2020 o Movimento Black Lives Matter foi determinante para combater o racismo de extrema-direita dos polícias norte-americanos. Mais um paralelismo entre a realidade do mandato de Trump e a saga “The Purge”.

O mesmo filme mostrava como com o pagamento de 5.000 dólares se conseguia convencer a população de Staten Island em NY, maioritariamente afroamericana a participar na primeira experiência “médico-psicológica” bárbara “The Purge” em que cidadãos se matariam livremente durante 12 horas seguidas, só por desporto ou para se livrarem dos seus inimigos. Essa primeira experiência viria a eleger os “New Founding Fathers of America” e a dar-lhes plenos poderes para tornarem essa experiência num “mal-necessário” para manter o equilíbrio social. No filme, alegava-se que o ódio ao sistema e a falta de dinheiro seriam explorados ao máximo e potenciados para o êxito da “experiência”. Ora, durante os motins de 2020 dos EUA, muitos disseram que instigadores pagos por forças ocultas, teriam potenciado e acelerado as comunidades afroamericanas e os seus apoiantes a destruírem estátuas dos colonizadores, edifícios públicos, instalações e veículos da polícia. As forças da ordem vistas como impotentes, tal como nos filmes desta saga. O paralelismo deste filme e do de 2014 “The Purge: Anarchy” com o que se passou em 2020 é indiscutível.
O filme “The Purge: Election Year” refere como os Founding Fathers acabaram por utilizar “The Purge” para a sua agenda económica pessoal, violando assim os princípios sagrados da democracia. Financiados secretamente por famílias ricas e poderosas, estes Founding Fathers pretendiam diminuir a população pobre, dar cada vez menos apoios sociais, acabar com o financiamento de habitação social e retirar privilégios de saúde aos mais desfavorecidos. Tudo ideais da extrema-direita, e todos estes ideais foram postos em prática no mandato de Donald Trump. Em 2020, a pandemia gerida como foi gerida pelos políticos, acelerou todos estes processos de degradação social dos mais pobres. Uma simples coincidência? Claro que não. No filme “The Purge: Election Year” o personagem escolhido para Presidente tem uma cara muito semelhante a Joe Biden, um elemento perturbador do script e que subverte ainda mais toda a narrativa perversa da saga. Uma espécie de “fakenews” da ficção, já que Biden, na vida real foi o que derrotou o presidente “imperialista”.

Neste filme, o Presidente não olhava a meios para atingir os seus fins menos democráticos, um Governo sem opositores, tal como na Antiga Roma. Um estilo que conhecemos bem de Trump. Mas que no filme era representado por um candidato muito parecido fisicamente com Joe Biden. O que não admira, visto que o publicitário da saga “The Purge” fazia parte dos apoiantes de Trump. Portanto, lançar a confusão e uma colagem “negativa” a Joe Biden, era apenas mais uma das subversões do filme. Quando na realidade, este estilo imperialista antidemocrático foi o estilo autoritário de Trump. No filme, o Presidente utiliza expressões como “estes porcos têm de morrer”, quando se referia aos seus opositores. E era o cabecilha de uma elite oligárquica ligada diretamente à igreja cristã e à política manipulada pelas famílias mais ricas, que pretendiam nada mais do que recriar a sociedade dos anos 40, em que os pobres não tinham quaisquer direitos na sociedade. Premonitoriamente, neste filme “Election Day” de 2016, o Presidente perde a sua reeleição no último momento, tal como aconteceu com Trump. Os “bons” saíram vitoriosos, contra os que pretendiam instaurar a distopia. E também estes factos são comparáveis entre a saga e a realidade.
Para quem quiser compreender o fenómeno Trump, os filmes e a série “The Purge” são de visualização obrigatória. Porque nos dias que correm, podemos aprender mais sobre a realidade num filme ou série do que a ouvir noticiários de stream media. Mas a série tem momentos um pouco sangrentos. Usando uma das frases mais simbólicas desta saga “The Purge é o Halloween dos adultos”. Mas também lançam a frase “Stay Safe” como uma forma de se despedirem horas antes de começarem as purgas anuais. Estranhamente foi a frase adotada nos EUA no panorama pandémico de 2020…
A série “The Purge” aborda muitos temas já retratados nos filmes mas como que “normaliza” a sua aceitação na sociedade atual. Chega a ser arrepiante imaginarmos como poderia ser fácil aceitar este tipo de barbaridade como normal, tal como o povo romano da antiguidade o aceitou. Na série são explorados conceitos como “Murder Tourism” (cidadãos de outros países que viajavam no “Purge Day” só pelo prazer de poderem matar), feiras populares de leilões de pessoas que seriam mortos de forma imaginativa e desportiva, ou ainda a polícia da NFFA, uma espécie de NSA, que utilizaria meios sofisticados de videovigilância, como os utilizados na China, para verificar quem violava as regras das 12 horas da noite sagrada. Estes vigilantes são comparados, na série, a uma espécie de operadores de Call-Center, civis contratados que se limitam a desempenhar a sua função fiscalizadora em todo este “jogo” sádico.
Texto de Pedro M. Duarte
Uma resposta
Sigo este blog de boa informação pode ser que gostes
Bruno Almeida