A nova mesquita da Mouraria, longe de ser um projeto para beneficiar a comunidade Muçulmana de Lisboa, tem como objetivo a vigilância, o controlo e a gentrificação, sendo a “Nova Mesquita” uma pequena parte de um plano ambicioso de transformação da Mouraria

A “Nova Mesquita” proposta para a Mouraria, que terá um custo de cerca de 3 milhões de Euros, o que representaria mais ou menos 0.4% do orçamento anual da Câmara Municipal de Lisboa (CML), vai mesmo avançar. Mas tem estado a gerar uma imensa controvérsia desde que foram anunciados os planos para a sua construção.
O maior motivo por detrás da controvérsia é a suposta ameaça à laicidade do Estado por este estar a financiar a construção de um local religioso com dinheiro público, e o prejuízo que está a trazer ao dono do edifício expropriado. António Barroso, o antigo dono dos prédios expropriados diz que a expropriação de que foi alvo tornou a sua vida “miserável”. Ou seja, até agora o debate tem estado divido entre aqueles que opõem, e os que apoiam a construção, partindo do principio que a construção tem como objetivo principal o serviço à comunidade Muçulmana local. Isto é uma distorção total da verdade. Existem vários elementos importantes que a maioria está a ignorar. Se analisarmos em maior detalhe o projeto e a área da cidade em que se enquadra, podemos constatar que é uma intervenção urbanística cujos dois eixos principais são a promoção do policiamento e da gentrificação, nomeadamente seguindo uma lógica de maior acessibilidade para aumentar a segurança e o controlo, tanto da comunidade Islâmica como do bairro da Mouraria em geral. Vejamos.
O projeto está a ser apresentado pela comunicação social como uma “Nova Mesquita”, mas do ponto de vista da CML, o beneficio é sobretudo a construção de uma via de acesso direta entre a Rua da Palma e o meio da Rua Benformoso, a qual vai facilitar o policiamento da zona, assim como a construção de uma mesquita comum para que aqueles que frequentam as mesquitas mais pequenas na área se juntem e sejam mais visíveis e mais facilmente vigiadas. A ser realizado o projeto, o primeiro objetivo tem quase todas as condições para ter sucesso. Já o segundo grande objetivo, e segundo informação que foi recolhida exclusivamente pela Casa das Aranhas, tem várias condicionantes, e sem uma intervenção política junto da comunidade Islâmica local, só terá um sucesso parcial.
- Primeiro Objetivo- Acessibilidade, policiamento, controlo e gentrificação:
Vamos analisar o primeiro objetivo. O primeiro documento oficial da CML do plano para a “Nova Mesquita” vem de 2012, e menciona que “foi identificada a necessidade de criação de maior acessibilidade à Rua do Benformoso.” Menciona depois no ponto 5. a “necessidade de criação de maior acessibilidade, não só física mas também visual, à rua Benformoso e para uma mais eficaz intervenção no território, enquadrada nos objetivos do Programa de Acção da Mouraria. Esta ideia ganhou consistência aventada que foi a possibilidade de criação de uma passagem pedonal sensivelmente a maio da Rua Benformoso…” (CML, 2012, disponível aqui). Ou seja, a CML identificou a necessidade de criar um ponto de acesso direto no meio da Rua do Benformoso, que a Sul é acessível por uma transversal da Praça Martim Moniz, e a Norte acaba no Largo do Intendente. Só mais tarde neste mesmo ponto 5. é mencionada “a transferência de um espaço de culto- mesquita- já existente na Mouraria”. Este nunca foi um projeto de construção de uma “Nova Mesquita”, mas sim um projeto de requalificação da Rua do Benformoso, projeto dentro do qual foi inserido, também, a transferência de uma outra mesquita já existente, para um sitio mais visível e mais perto da esquadra de policia.

Temos que ter em conta que a Rua do Benformoso representa uma preocupação especial para a CML assim como para a Polícia por causa dos problemas de criminalidade que tem tido aos longos dos anos, em grande parte como um resultado de intervenções passadas da CML. O facto de terem sido realojadas várias pessoas do antigo Casal Ventoso, depois da sua demolição, nesta área, assim como um pouco por toda a área do Intendente, esteve na causa dos problemas de toxicodependência e tráfico de drogas que somente agora se estão a começar, lentamente, a dissipar. Em Janeiro de 2017, o Corvo noticiou que o “Tráfico de droga e violência comprometem reabilitação efetiva da zona do Intendente”.
O passado histórico do bairro da Mouraria como um bairro popular, e até no passado mais longínquo como um ghetto para Muçulmanos e Judeus, faz com que se tenha tornado no principal alvo de requalificação pela parte da CML nos ultimos anos, requalificação que está a ter resultados positivos, mas também alguns negativos, nomeadamente, a subida dos preços das rendas e subsequente expulsão dos moradores locais mais pobres, assim como a transformação do comércio local que está a resultar na subida dos preços na medida em que o comércio está cada vez mais a servir uma população mais rica.
Para percebermos então a importância estratégica desta nova passagem para a Rua Benformoso, vejamos primeiro num mapa, a proximidade entre esta passagem e a esquadra:
Aqui estão os dois edifícios em perspetiva (a esquadra a roxo e os edifícios que serão demolidos a vermelho):
Ou seja, a “Nova Mesquita” será sobretudo para a CML uma passagem que dará o acesso direto aos agentes policiais da esquadra da Rua da Palma à Rua do Benformoso, uma rua com um historial conhecido de criminalidade, nomeadamente tráfico de droga. A passagem direta é também um passo importante para que o processo de gentrificação, que varreu até agora toda a Praça do Martim Moniz, subindo pela Rua da Palma, passando pelo Largo do Intendente e conquistando também quase toda a Avenida Almirante Reis, a continuação da Rua da Palma, possa começar a alastrar-se para as ruas detrás, continuando assim o processo de gentrificação e acabando com os núcleos resistentes de rendas baixas, vida comunitária local e comércio local. Até agora o tráfico de droga e prostituição tem-se refugiado do maior policiamento e do influxo de turistas e estrangeiros mais endinheirados nas ruas por detrás da Rua da Palma e da sua continuação, a Avenida Almirante Reis.
Lembramos este brilhante mural, entretanto apagado, no muro de um coletivo também entretanto extinto, a Barbuda, que se encontrava precisamente na Mouraria.

Podemos ler neste mural um resumo perfeito da lógica urbanística dominante: “O ordenamento das cidades – torna-se um dos problemas centrais para os regimes saídos das revoltas de 1848 nos vários países Europeus. As novas ruas, amplas e direitas, devem fazer desaparecer os bairros insalubres e as ruelas utilizadas por movimentos revolucionários, facilitando ao mesmo tempo a higiene e a manutenção da ordem pública, e porque as balas não sabem voltar na 1ª rua à direita. Os caminhos antigos são alargados, as frentes são reconstruídas, as malhas irregulares são substituídas por um desenho regular. Da destruição são excluídos os edifícios antigos mais importantes, que se tornam monumentos separados do ambiente urbano, tal como no museu. Os bairros com vida própria são transformados de modo a inclui-los numa rede para circulação de mercadorias, um sistema de trânsito que possa servir o nosso desejo do capital em se movimentar e se mostrar.”
Mas este plano, do ponto de vista dos seus objetivos urbanísticos, só irá fornecer um pouco mais de visibilidade pois a passagem será feita por baixo do novo edifício, que como é normalmente o caso com arcadas, terá tendência a ter pouca luz e pouca segurança. A acessibilidade será de facto maior, e dará maior abertura à Rua Benformoso, que por ser estreita a curva, é arquitetónicamente aconchegadora, mas um pouco constrangedora, sobretudo para quem não conhece bem a área.
- Segundo Objetivo- Agregação, convergência e vigilância da comunidade Islâmica:
A Casa das Aranhas perguntou a um membro da comunidade Islâmica que preferiu permanecer anónimo:
“Sente que por detrás do plano para a nova mesquita há uma tentativa de agregar, institucionalizar e vigiar as comunidades Islâmicas da Mouraria?”
“Não é vigiar. É mais para lhes tirar a imagem de marginais, e mostrar que não há nada a esconder. Vigiar seria quando eles estão escondidos, em ghettos. Agora se os metermos numa rua principal, acaba-se o mistério, e assim a vigilância.”
Porém segundo informação que foi recolhida exclusivamente pela Casa das Aranhas, existe um factor importante que poderá por em risco este plano. Para que a nova mesquita possa conseguir juntar de forma eficiente as pessoas que frequentam as outras pequenas mesquitas da área, terão que ser abordadas as tensões presentes dentro da comunidade muçulmana local. O facto de haverem várias mesquitas diferentes na área não se deve somente a não haver um espaço adequado que possa juntar todos e todas.
A comunidade Islâmica que vive na área do Benformoso, sobretudo proveniente do Bangladesh, está fortemente dividida, não por razões religiosas, mas por divergências políticas e partidárias, e não frequentam as mesmas mesquitas por causa das tensões que advêm destas mesmas divergências políticas. Uma fação está alinhada com a força política que governa o Bangladesh, a outra, com a oposição, estando estas duas fações também tendencialmente alinhadas com o PS ou com o PSD em Portugal.
A conclusão é que, como em qualquer intervenção urbanística, a requalificação e transformação do espaço construído tem que estar alinhada com uma política de intervenção social consciente e participativa para ter um sucesso sustentável e durador. A cidade não é só feita de paredes visíveis, é também construída, socialmente, politicamente, economicamente, por paredes invisíveis. E no caso da nova mesquita de Lisboa, se as paredes invisíveis entre a comunidade do Bagladesh não forem dissolvidas através de negociação e diplomacia, corre-se o risco desta nova mesquita vir a ser frequentada somente por um grupo, excluindo o outro. Mas uma coisa é certa. A gentrificação da Mouraria é para continuar.
João Silva Jordão
5 respostas
…. e tanta habitação por fazer… tantos outros equipamentos em falta na cidade ….tinha logo de ser construída um mesquita ! ! !
E o Estado português é LAICO…. imaginem se não fosse. Logo viola-se a Constituição.
De facto um dos problemas sérios de Lisboa é a gentrificação do centro urbano que lentamente se espalha e irradia em todas as direcções. É um problema de todas as grandes cidades da Europa, fruto da especulação imobiliária que vai invariavelmente afastar as populações menos endinheiradas para os arredores, onde, note-se até aí brevemente vai ser proibitivo viver.
O resultado vai ser uma cidade para turistas povoada de serviços (e hotéis gourmet) mas despovoada de pessoas.
Quanto à questão da mesquita não vejo porque será mau para as pessoas que a poderão frequentar. O meu desejo é que seja um espaço para unir as comunidades do que para marcar a sua divisão.
…e aprender a conjugar correctamente o verbo haver?? seria bom não? “O facto de haverem várias mesquitas diferentes na área não se deve somente a não haver um espaço adequado que possa juntar todos e todas”. Ainda por cima em bold??
A gentrificação, tal como a revitalização urbana, segue um mesmo discurso de “obras que beneficiam a todos”, mas não é motivada pelo interesse público, mas sim pelo interesse privado, relacionado com especulação imobiliária. Logo, tende a ocorrer em bairros centrais, históricos, ou com potencial turístico,como é o caso da Mouraria, mas a população vai ser, pouco a pouco, substituida por outra faixa de maior poder de compra e os mais débeis, financeiramente, vão
para a periferia…… Tudo com o beneplácido do PS . rosa bem murcha.