Este artigo foi publicado pela primeira vez em inglês no site The Muslim Vibe, disponível aqui.
A religião tornou-se numa palavra suja – e tornou-se uma palavra suja em grande parte devido aos incansáveis esforços de pessoas que estão cada vez mais perdidas, espiritualmente vazias, numa espiral ética descendente e talvez mais ironicamente, cada vez mais propensas a serem recrutadas por movimentos que se assemelham a religiões em quase todos os sentidos, exceto na provisão de sabedoria e orientação. Assim como um dos muçulmanos mais notórios dos últimos tempos, Malcolm X, nos lembrou, “Um homem que não defende nada será enganado por tudo e mais alguma coisa.” Parece que os tempos modernos provaram que ele tinha razão.
O pior analfabeto é o analfabeto religioso, ele não ouve, não fala, nem participa no debate religioso. Ele não sabe que a opinião das pessoas sobre o sentido da vida, os seus princípios orientadores, a sua ideologia, a sua visão sobre praticamente tudo, a sua própria ética, as suas dúvidas existenciais, o propósito da sua vida, tudo depende da discussão religiosa. O analfabeto religioso é tão estúpido que ele se torna orgulhoso e incha o peito quando diz que odeia a religião. O imbecil não sabe que da sua ignorância religiosa nasce o culto, o terrorista, e os piores criminosos de todos, o clero corrupto, os agentes corruptos dos criminosos nacionais e multinacionais.

Essa frase soa familiar? É porque é uma adaptação desta famosa citação de Bertold Brecht:
“O pior analfabeto é o analfabeto político, ele não ouve, não fala, nem participa nos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, da renda, dos sapatos e da medicina, todos dependem de decisões políticas. O analfabeto político é tão estúpido que é orgulhoso e incha seu peito ao dizer que odeia a política. O imbecil não sabe que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, a criança abandonada, e os piores ladrões de todos, o mau político, corrompidos e agentes das empresas nacionais e multinacionais”.
Brecht expõe um grande paradoxo – o analfabeto político, ao odiar a política, acaba por se tornar alienado do pensamento e da ação política, acabando por não conseguir abordar as questões que afligem a sociedade além de não abordar as coisas que fazem com que ele odeie a política. Hoje é bastante comum saber que virar as costas à política não é apenas alienante; é contraproducente. Pericles disse uma vez: “Só porque você não se interessa pela política não significa que a política não vai se interessar por você”.

Um filósofo contemporâneo, Slavoj Zizek, também argumenta repetidamente e brilhantemente na sua crítica da ideologia e a sua capacidade de deturpar a nossa visão do mundo sem que nós nos apercebamos, que paradoxalmente, quanto mais pensamos estar livres da ideologia, mais nos encontramos debaixo da sua influência. No entanto, esta crítica ainda não foi suficientemente feita em relação à ignorância religiosa, e mais especificamente, a forma como o crescimento do ateísmo e o desprezo que os ateus tendem a mostrar cada vez pela religião, tanto como fenômeno como área de estudo, torna as pessoas ainda mais suscetíveis de se deixarem levar pelo fanatismo religioso sem que eles mesmos se apercebam. Poderíamos também dizer que “só porque você não se interessa pela religião não significa que a religião não se interessará por você”. Mas a maneira como a religião nos afeta ou, digamos, se interessa por nós é muito mais subtil e mais profunda.
Uma crítica que leva isso em conta, embora só parcialmente, pode ser encontrada na crítica que permeia o termo cientismo, que é a corrupção do método científico que ocorre quando este é levado ao extremo, tornando a ciência numa espécie de religião em si. O cientismo é um dos exemplos mais fascinantes de como indivíduos supostamente ateus se tornam em fanáticos religiosos sem se aperceberem. Afinal de contas, se eles soubessem, não seriam fanáticos.
Além disso, e talvez mais importante, é que numa era de dúvida política e de grande confusão espiritual, poderíamos assumir que o estudo da religião seria considerado mais importante para o nosso bem-estar individual e coletivo. Mas o mundo inteiro, liderado por um movimento ateu cada vez mais cínico e arrogante, parece estar convencido de que a resposta correta para este problema é redobrar os esforços e negligenciar o estudo e pensamento religiosos ainda mais.
Há uma relação direta entre o desdém absoluto que o novo ateísmo tem pela religião e o crescimento do analfabetismo religioso, mesmo entre os setores supostamente mais educados da população. Paradoxalmente, em vez de promover uma crítica inteligente da religião, o novo ateísmo acaba por gerar pessoas teologicamente e espiritualmente alienadas que são ainda mais propensas a serem recrutadas por cultos e religiões e que, posteriormente, vão negar veementemente que são sequer influenciadas pela religião. Recusam-se simultaneamente a estudar a religião, ao mesmo tempo que negam que possam estar sob a influência de ideias religiosas. Mas como podemos saber se não dos damos ao trabalho de estudar como a religião funciona verdadeiramente? A mera sugestão de que podem estar a ser influenciados por dinâmicas religiosas é visto como um insulto.
Podemos dar mil exemplos, cada um mais irônico e estranho do que o seguinte, começando com ateus rigorosos que acreditam no que os horóscopos lhes dizem e em seguida, tentam convencer outros dos fundamentos científicos da astrologia. Também nos podemos lembrar dos seguidores do Partido Democrata dos Estados Unidos que gozam constantemente com a suposta religiosidade dos eleitores do Partido Republicano, mas que em 2008 acabaram por promover Barack Obama como se de um messias se tratasse sem se aperceberem, para depois serem completamente decepcionado pelo seu suposto salvador. Mas os meus favoritos são os comunistas ateus ou mesmo antiteístas que simplesmente não sabem, negam ou conseguem lidar com o fato do Manifesto Comunista ter sido escrito em nome de uma organização que tinha no seu núcleo fundador uma organização Cristã chamada “A Liga do Justos” cujo objetivo principal era construir o Reino de Deus na Terra, guiado pelos princípios do amor fraterno e da igualdade.
Isso soa religioso? É normal que soe religioso, porque é. Aqui está um facto que nem o Politburo nem os ateus militantes conseguiram apagar da história. Ainda não, pelo menos.

Uma resposta
that’s interesting!