Pandemia, Economia e Saúde

Participante de uma manifestação contra o confinamento, 16 de Maio de 2020, Dresden, Germany

Ficaram famosos os estúpidos pensamentos em voz alta de George W. Bush, confrontado com os fogos florestais (“abatam-se as árvores para prevenir os fogos!”) ou com as evidências climáticas do aquecimento global (“o que escolhem vós entre a economia e o ambiente?”). Nesse tempo a opção política global continuava a ser a favor da estabilidade dos rendimentos financeiros, independentemente do estado da economia, da sociedade ou do ambiente. Sem aviso, com a COVID-19, o mundo inteiro passou a dar prioridade à saúde pública e a secundarizar ou mesmo fechar a economia. Ou isso é apenas uma aparência?

Houve quem, entre os quais os dirigentes eleitos do movimento global neo-nazi-fascista, que continuaram a dar prioridade aos mesmos critérios economicistas para pensar a política. São acompanhados por muita gente, como o provam manifestações de descontentes, incluindo quem imagine que os vírus são imaginação ou invenção das elites e da comunicação social. Os resultados eleitorais nos EUA mostram que os que preferem ignorar a pandemia e continuar a viver como se ela não existisse são muitos, embora tenham votado mais os que preferem ter em conta a ciência, isto é a existência de vírus.

O triste desta história é que nenhum dos partidos e respectivos apoiantes aprendeu grande coisa com a experiência. É esse o estado da política actual, denunciada há mais de meio século por autores como Marcuse ou Illich, como sendo profundamente anti-democrático, por não admitir oposição. Desde os anos 80 vinga o discurso único, a ideia de haver apenas uma saída para cada problema. A própria imagem pública da ciência foi infectada por essa convicção: em vez de ser concebida como a arte de fazer perguntas capazes de conduzir investigações proveitosas, a ciência passou a ser entendida como um receituário das melhores soluções hierarquizadas em rankings, das quais caberia aos políticos e aos povos tomar a solução única. Em vez de ser um espaço aberto de discussões sobre as evidências à procura de consensos, a ciência foi assoberbada no seio das próprias instituições científicas por lutas de poder em função de rankings de popularidade de que dependem os financiamentos.   

Há que distinguir a ciência das aplicações da ciência e das escolhas políticas sobre como usar as aplicações da ciência. Os testes e as estatísticas que passam nos noticiários, bem como os comentários dos especialistas ou dos cientistas chamados a público para fazer parte do espectáculo mediático histérico, não são ciência. São (más) aplicações de instrumentos produzidos pela ciência. A ciência não deve ser para aqui chamada. O tempo da ciência é mais lento e imprevisível do que o tempo da justiça e incompatível com o tempo mediático tabloide dominante.

Em Portugal, por exemplo, existem instituições públicas orientadas para estudar as competências científicas susceptíveis de serem integradas nas discussões de aplicações às políticas públicas. O Infarmed não é uma delas. O Infarmed regula os medicamentos disponibilizados pela indústria farmacêutica. Não lhe cabe, por exemplo, descobrir entre os medicamentos já fabricados, disponíveis em toda a parte, utilizados para atender a doenças não COVID, quais sejam aqueles que têm efeitos curativos e preventivos sobre a doença. E há vários, como a amantadina. Então, por que razão se inibem os serviços de saúde da liberdade de experimentar tais terapêuticas e se destratam os médicos que o querem fazer? Por que razão se alega seguir a ciência quando, na prática, se seguem os interesses das farmacêuticas?

Os mesmos princípios políticos opressivos e anti-democráticos do discurso único, que os movimentos neo-nazi-fascistas cavalgam imaginando opor-se-lhes, continuam a funcionar. Atente-se na (falsa) convicção (anti-científica) passada ao público, que terá sido uma das causas da mais forte circulação do vírus durante o Natal: a vacina seria uma cura para a pandemia! Tal afirmação política, que circula há vários meses, pôs os cabelos em pé daqueles que foram formados em medicina. As vacinas nunca foram nem são curas de doenças. As vacinas podem mesmo causar doenças. O que as vacinas fazem é ajudar e suavizar o processo natural de imunidade de grupo, a convivência não problemática entre as pessoas e uma certa estirpe de vírus. Com uma aplicação sistemática e global, as vacinas podem eventualmente erradicar uma doença. Mas a vacinação não cura; é outra guerra. Diminui o número de doentes, achata a curva como se diz em estatística. A vacinação de urgência permite torpedear os procedimentos de teste de vacinas, diminuir o volume e tempo de testes, baixar os custos de investimento, criar um precedente em que passe a valer a pena às farmacêuticas investir em mais vacinas, para o futuro, com os riscos a serem externalizados para as populações vacinadas.

O discurso único propagandeado pela comunicação social, praticamente nacionalizada com o fecho da economia, está ao serviço da economia dos Big Phrama, das Big Tech e dos sectores económicos beneficiários da prevista recuperação económica verde, digital e social. Se a prioridade tivesse passado a ser a saúde das pessoas, manter os sistemas de saúde incapazes e impreparados para lidar com pandemias não seria opção. Manter fora de uso as eventuais curas para o COVID não seria opção. A única mudança que houve na saúde foi o investimento público global em vacinas, para cuja gestão concertada entre os estados e as grandes fortunas foi nomeado Durão Barroso, à frente de um consórcio de gestão de fortunas e de interesses globais. Para essa gente, trata-se de consolidar os privilégios políticos e financeiros conquistados a título excepcional da emergência e torná-los replicáveis nas próximas décadas, como novo normal.

A tese da utilização das vacinas para controlar as populações não é uma teoria da conspiração. Teoria da conspiração é pensar que hoje, todos e cada um de nós, não estamos já subordinados aos instrumentos de controlo social denunciados por Manning, Assange, Snowden e outros. A necessidade política de reagir à pandemia articula-se, através do discurso histericamente único, em torno da mentira da vacinação como cura. Isso é uma continuação da reacção à necessidade de reagir à falência do sistema financeiro global, em 2008. Nessa altura, os políticos e a comunicação social dominante inventaram uma discussão em torno das dívidas para encobrir os aumentos de impostos nos países mais frágeis e com capacidade de pagamento (lembram-se?).

Repensar os sistemas de saúde em função das futuras pandemias que teremos de enfrentar no próximo futuro, certamente bem mais graves do que esta, terá de ter em conta os grupos de risco já identificados: os idosos asilados, outros asilados, como os presos e os centros de acolhimento de crianças, os trabalhadores pobres e precários, os pobres em geral. Do que precisamos é de investir na autonomia e independência social e profissional para libertar a nossa imaginação política com vista a reavivar a nossa empatia com os sacrificados da nossa sociedade, de que os médicos e sobretudo os enfermeiros e outro pessoal de saúde são ícones.

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