A erradicação da pobreza e da fome são os primeiros objectivos do desenvolvimento sustentável do milénio, da ONU. A crise financeira de 2008, a crise humanitária de 2015, a crise sanitária de 2020, produzem mais pobreza e fome, frequentemente envergonhadas. A crise política simbolizada pela transição Trump-Biden, pela continuidade das tensões belicistas, pela globalização dos sistemas electrónicos e sanitários de controlo social inovadores à chinesa, a crise financeira e social em marcha, a desconfiança e a cobardia instaladas, denunciam o falhanço das estratégias políticas seguidas até aqui. Reclamam pensar e sentir de outro modo.
Faz décadas que a principal orientação política é substituição de liberdades por segurança. As sociedades ocidentais têm aceitado que têm um excesso de liberdades. Têm aceitado competir com regiões do mundo em que a liberdade individual é irrelevante. Ganharam a ameaça política do crescente ódio de si mesmas dirigido para os mais fracos. A segurança é cada vez mais uma miragem.
A falência do sistema financeiro global, o regresso dos nacionalismos fanáticos, a irreparável crise ambiental, são algumas das novas fontes de insegurança que a política de troca de liberdades por segurança trouxe consigo. A paulatina habituação às limitações das liberdades acompanha a inércia social perante o avolumar dos problemas. Seja qual for a urgência dos problemas cada vez mais sérios e profundos que enfrentamos, pessoal e socialmente, realisticamente o que é preciso é substituir a orientação política falida e contraproducente de troca de liberdades por segurança.
O que resta das nossas liberdades depauperadas poderá servir para impor uma política nova de troca de rendimentos por solidariedade. Paguemos forte para erradicar a pobreza e a fome, tornando um direito de todos e cada um o acesso a um rendimento produzido por um algoritmo simples, transparente e adequado, isto é, igual para todos e susceptível de correcções automáticas em função da vontade e da capacidade económica das sociedades.

Há que organizar e financiar uma campanha política contra o regime actual de troca de liberdades por segurança, substituindo-o por um regime de troca de rendimentos por solidariedade.
Quando a economia parou por decisão política, qual é a moral de algumas das pessoas deixarem de ter rendimentos e perspectivas de os obter só porque trabalham ou trabalhavam nos sectores económicos errados? Não merecerão essas pessoas a solidariedade das que podem manter ou aumentaram rendimentos?
Caso estivesse a funcionar um rendimento incondicional de solidariedade, automaticamente, por direito, as pessoas que ficaram sem rendimentos veriam a sua situação apoiada pela contribuição de todas as outras que vivem em Portugal, sem campanhas de solidariedade: por direito. A baixa de rendimentos generalizada seria sentida de um modo partilhado por todos e cada um, em vez de alguns ficarem sem nada e outros com o mesmo ou mais do que era o rendimento anterior.
Há que admitir, como princípio de sociabilidade saudável, a solidariedade organizada (não assistencialista), previsível e automática entre toda a cidadania. Desse modo, o problema de todos não sobrecarregaria alguns, e todos seriam chamados à solidariedade própria dos momentos de catástrofe.
Esta solidariedade permitiria organizar a recuperação da crise de forma responsável, em vez de se continuar a repetir a mesma impotência (2008, 2015, 2020 e seguintes). Apoiadas e financiadas mutuamente, as pessoas sentir-se-iam capacitadas e moralmente obrigadas a escolher investir as suas vidas em projectos profissionais capazes não só de aumentar o rendimento geral, mas também de serem benéficos para atacar os problemas sociais gerais, em vez de se sujeitarem a serviços especulativos, precários, exploradores, como é a maioria das ofertas de emprego actuais.
O século XXI não vive uma normalidade: é uma catástrofe escamoteada pelos seus beneficiários e pelos profissionais que os servem, a maioria de nós. A troca de liberdades por segurança é uma anormalidade. A troca de rendimentos por solidariedade provará que outros mundos são possíveis.
Uma resposta
Os políticos e pessoas por eles beneficiadas com dinheiros púbicos, através de corrupção, que aproveitem agora, colocando o que roubaram ao serviço dos povos a quem o dinheiro pertencia. Seria um bom começo para a solidariedade.