Muitos adultos vêm a ascensão do TikTok e a sua incrível popularidade como mais uma prova da degeneração dos jovens, assim como mais um possível indício dos níveis decrescentes da inteligência média. É verdade que o formato do TikTok, que começou como uma plataforma de curtos vídeos de 15 segundos, os quais depois foram expandidos para 1 minuto, não é o melhor veículo para tratados filosóficos intermináveis nem proporciona necessariamente um meio através do qual podemos ter debates enriquecedores sobre geopolítica.
Mas eu penso que o TikTok cumpre toda uma outra função, e mais especificamente, fornece um meio para que os seus utilizadores, cujos utilizadores são em média mais jovens do que plataformas como o Facebook ou Instagram, possam colmatar um défice importante nas suas vidas. Défice este que não somente reflete um gigantesco problema na maneira como temos organizado a nossa sociedade, mas sobretudo, pelo qual os jovens têm pouca ou nenhuma culpa.
E que défices são estes, e de que maneira é que o TikTok ajuda a colmatá-los? Podemos resumir os défices da seguinte forma: falta de exercício físico, menos coordenação física, sedentarismo excessivo, um sistema educativo que não dá a devida importância à motricidade, e uma interação com tecnologia que nos leva a ficar parados a olhar para um ecrã o dia inteiro.
E de que forma é que o TikTok vem revolucionar esta “velha” maneira de interagir com os nossos telemóveis? Vem dar uma importância redobrada à expressão física, nomeadamente através de danças, mas também de humor físico à la Charlie Chaplin, assim como outras capacidades como a de usar expressões faciais para comunicar ideias e emoções, assim como um elevado grau de teatralidade e criatividade em geral. Muitos dos vídeos mais populares no TikTok são de jovens a dançar e a divertirem-se- será isto assim uma coisa tão má, numa era em que o movimento físico, a dança e a motricidade são secundarizadas, sobretudo na vida escolar e depois profissional?

No excelente texto de Raquel Varela, que pergunta “Por que não brincam as crianças?”, encontramos algumas pistas sobre a raiz e dinâmicas do sedentarismo excessivo e a falta de enfase na importância da mobilidade física e criatividade inerente às brincadeiras infantis e juvenis que tanto caracteriza a sociedade dita “moderna” e “industrializada”, para não dizer capitalista e que tende a obrigar para cada vez mais pessoas a passarem o dia sentados e colados a um qualquer ecrã:
“«Vós não tendes o menor juízo», dizia no século XIX para um francês um membro da tribo Montagnais-Naskapi, do Canadá. «Vós, franceses, amais apenas os vossos próprios filhos; mas nós amamos todas as crianças da nossa tribo!» Que diria hoje o membro dessa tribo se visse uma criança que sai de casa com uma playstation agarrada à mão e chega a casa de um amigo para brincar e ambos ficam agarrados à playstation ou à televisão? Haverá simbologia mais completa da submissão do ser humano à mercadoria? (…)
Trinta e dois por cento das crianças portuguesas entre os 7 e os 11 anos têm peso a mais. Esta percentagem é, por exemplo, de 12% na Holanda e de 36% em Itália. Obesidade significa que estão hoje a ser tratadas nos hospitais algumas crianças com diabetes, hipertensão e há registos pela primeira vez de acidentes vasculares cerebrais (AVC) entre elas…
A montante criou-se a teoria da necessidade de desenvolver a «motricidade fina»: desenhos, canções, jogos, enfim, tudo o que seja realizado dentro de um espaço fechado. Os colégios e escolas reduzem cada vez mais o espaço aberto, que é caro. As crianças ficaram reduzidas a espaços minúsculos (parques), todos idênticos e em geral normalizados (o mesmo escorrega de Norte a Sul do País), altamente restritivos da brincadeira. Carlos Neto, presidente da Faculdade de Motricidade Humana, classifica de «analfabetismo motor» o fenómeno que tem investigado. As conclusões são preocupantes: as crianças correm e tropeçam nos próprios pés, não andam para trás de olhos fechados sem perder o equilíbrio, têm um sentido de orientação limitado, etc. «Brincar na rua é em muitas cidades do mundo uma espécie em vias de extinção. O tempo espontâneo, do imprevisível, da aventura, do risco, do confronto com o espaço físico, natural, deu lugar ao tempo organizado, planeado, uniformizado (…) com implicações graves na esfera do desenvolvimento motor, emocional e social», diz o investigador…”
Resumindo- a capacidade física das crianças está em crise, e a culpa é em grande parte do sedentarismo excessivo da vida moderna.
Ainda para mais, a ideia de que o TikTok é politicamente alienante simplesmente não é verdade- muitos jovens usam a plataforma, e com grande alcance e sucesso, para promover campanhas importantes e espalhar ideias progressivas.
As pessoas mais velhas, em vez de olharem para os jovens a usar o TikTok com arrogância e condescendência, deviam perguntar-se a si mesmos, que mundo é que nós construímos para os mais jovens, e de que forma é que os hábitos dos mais novos são um espelho das nossas próprias falhas? Nós construímos cidades dominadas pela rotina profissional e as vias para automóveis, sugando a criatividade da vida quotidiana e roubando as ruas das crianças que dantes nela brincavam com relativa liberdade.
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Mas as crianças não são assim tão fáceis de domesticar, e mais cedo ou mais tarde, encontram maneiras de se exprimir e de deixar a sua verdadeira natureza humana, que não é somente mental, mas também inerentemente física, exprimir-se, de uma forma ou outra. E talvez a crescente popularidade do TikTok seja um veículo para esta mesma emancipação física e criativa, numa sociedade que as quer sentadas, caladas, paradas, ou seja, controladas e ultra-domesticadas.
Uma resposta
Great bloog I enjoyed reading