Depois de uma campanha “estranha” onde todos os candidatos sem exceção se contradisseram constantemente lançando os eleitores num espetáculo degradante no que respeita à ética política e de Estado, à exceção dos que saíram vitoriosos, todos os outros assistiram ao circo mediático da noite eleitoral, com alguma perplexidade. Eu fui um deles e por acaso o partido no qual votei até foi um dos que cantou vitória. Mas nunca me senti tão defraudado por assistir a um tão pobre espetáculo de campanha e a debates futebolísticos onde os candidatos se digladiavam numa gritaria pegada. Estou farto deste futebol político. E o que dizer da tentativa de colagem dos animais de estimação à campanha “como se faz lá fora”? Um toque genuinamente bacoco a roçar o pimba, já por si, um sinal de que a política portuguesa está doente e precisa de uma grande reviravolta, uma renovação na sua génese e acima de tudo, precisa de modernização. Estou farto de ver velhos caquéticos a ocuparem tempo de antena e nos debates com as suas ideias apodrecidas pelo tempo. Já quase passaram 50 anos desde o 25 de Abril e por muito que respeite esse momento que foi a libertação de um regime opressor e ditatorial, não me sinto menos desiludido pelo ponto degradante a que chegámos. Corruptos, caciques e candidatos sem chama ou vigor enchem a nossa Assembleia da República. É preciso mudar de paradigma. E creio que estas eleições marcaram o início desse ponto de viragem. Uma espécie de “Great Reset” nos partidos portugueses. É preciso gente renovada, com ideias e que as saibam apresentar ao povo português com seriedade e dignidade, como se fazia nos anos 70 e 80.
O grande vencedor, apesar de obter resultados mais magros relativamente a 2019, foi, como vem sendo hábito, a ABSTENÇÃO, com 42%. Ainda que aqui os números possam não estar totalmente corretos, já que, uma vez mais, nos cadernos eleitorais pairavam alguns fantasmas de milhares de falecidos. Incompreensível como em 2022 ainda não se conseguem extrair cadernos eleitorais atualizados quinze dias antes das eleições, com um simples clique de rato. Com tanta “digitalização” no Estado, ainda se comete este “erro” desde o 25 de Abril. Na realidade, dizem alguns entendidos, não se trata de um erro, mas de um “truque” para fazer com que certos círculos eleitorais diminutos não reduzam ainda mais os seus já escassos mandatos. Mesmo assim a abstenção foi significativamente mais baixa o que é de louvar, considerando que as eleições se realizaram num pico pandémico e da gripe.
Depois deu-se a grande surpresa da noite: a possível maioria absoluta do PS. A bomba foi lançada logo quando começaram a sair as primeiras projeções. Muitos não acreditavam. Mas efetivamente veio-se a comprovar. E ainda que seja da praxe felicitar o vencedor, não o vou fazer não só por considerar que António Costa realizou a pior campanha eleitoral do PS desde 1974, como se limitou a atacar os opositores e a pedir uma maioria absoluta ao povo como quem pede uma esmola. E claro o povo português tem uma costela de samaritano e lá deram a maioria. Mas afinal que ideias e programa apresentou o ex-Primeiro-ministro para merecer esta benesse? Muito poucas ou quase nenhumas. O seu mote de campanha era pedir a MAIORIA para poder continuar a governar sozinho ou com outro acordo político com o PAN e possivelmente com o Livre ou até com a IL. Mas a forma como conduziu a campanha, não esclareceu sobre as novas metas do novo Governo que propunha. Um vazio de ideias, tendo-se refreado nos debates de maneira a não revelar a sua estratégia “escondida”. Por isso, esta vitória, para mim, não passa de pura propaganda oca mas resultado de uma excelente equipa de marketing que soube aproveitar a crise política em seu favor. A isso lhe tiro o chapéu. António Costa é um excelente estratega, mas um político pouco sério do ponto de vista ético. Para alguém que já foi Primeiro-ministro voltar com a palavra atrás várias vezes ao longo da campanha, não fica bem, não revela seriedade para com o eleitorado.
Depois vieram as outras duas vitórias. A do CHEGA que cumpriu praticamente todas as suas promessas. Elegeu 12 deputados, tornou-se na 3.ª força política e destronou o BE justamente em todos os círculos eleitorais que tinham feito do BE o 3.º partido mais votado nas últimas eleições, designadamente todos os círculos a norte do Tejo e também o Algarve. André Ventura já não se sentirá tão sozinho no Parlamento e certamente que a sua bancada dará muitas dores de cabeça ao PS, que terá de se sujeitar à gritaria que se antevê em muitos debates. Quanto à vitória da INICIATIVA LIBERAL, será aquela que se deveu a um esforço ético maior, já que o candidato se apresentou com uma postura correta e lutou com esforço, pelo 4.º lugar que veio a conseguir, uma subida vertiginosa da 9.ª posição. Juntos, CHEGA e IL conseguiram 20 mandatos na AR. O CHEGA assume-se como a VOX da oposição e a IL parece estar a tornar-se numa espécie de novo PSD, mas renovado e adaptado às novas exigências do século XXI. A IL parece ter bases para um crescimento sólido nos próximos anos. Já o mesmo não se pode dizer do CHEGA, que poderá ter atingido um patamar nestas eleições, de onde poderá não crescer muito mais. É que a sua mensagem é limitada e faltam-lhe líderes partidários que levem o partido para patamares mais intelectuais. Afinal, os salazaristas e descontentes da sociedade, parecem não ser mais de 400.000.
Uma semi-vitória foi a do LIVRE. A qualidade inequívoca do seu candidato e a sua bagagem intelectual e política revelam o seu brilhantismo pessoal em contraste com os tristes episódios movidos pela sua antecessora Joacine. Rui Tavares soube limpar a imagem do partido e ambiciona recuperar o eleitorado perdido no último mandato, subindo um pouco em percentagem o que lhe valeu mais 12.000 votos aproximadamente garantindo assim o seu assento único no Parlamento. O novo líder poderá até ser candidato à Europa em 2024, deixando alguém que o substitua na bancada, talvez Carlos Teixeira ou Isabel Mendes Lopes. A par desta semi-vitória, está a semi-derrota do PAN, que perdeu 92.250 votantes e passou de 4 mandatos a apenas 1. A falta de carisma de Inês Sousa Real que tentou apanhar boleia de António Costa e as suas contradições de campanha fizeram-na perder mais de metade do seu eleitorado de 2019. Também os escândalos com as estufas, pesticidas e subsídios da empresa do seu pai, onde participou como empresária a descredibilizou junto deste eleitorado que preza muito o respeito por princípios verdadeiramente ambientalistas. “Faz o que digo, não faças o que faço” soou muito a falso. A hipocrisia em política pode pagar-se cara, sobretudo em partidos de génese de esquerda. A líder do PAN foi, por isso, semi-cancelada pelos PANeleitores.
Mas o grande derrotado da noite foi Francisco Rodrigues dos Santos. Depois de todas as guerras internas e espetáculo mediático degradante com muita gritaria e copos à mistura durante a campanha, os seus eleitores e militantes cancelaram-no a 100%. Chegou a ser “enganado” por Rui Rio para um possível cargo de Ministro da Defesa, o que tornou ainda mais ridícula a sua derrota. Não elegeu um único mandato e pela primeira vez desde 1974 este partido ficou ausente do hemiciclo onde se tomam as decisões sobre o país. A sua demissão era inevitável. Mas pior, existe o risco do partido já não conseguir recuperar nos próximos anos, apesar de pertencer à grande família do Partido Popular Europeu, a qual representou tão mal durante a sua liderança que durou apenas dois anos mas que acabou por levar ao desmantelamento do partido dos centristas. Apesar de deter alguns mandatos em juntas de freguesias e câmaras municipais o CDS/PP parece ter passado à história.
Outros dois grandes derrotados foram os dois partidos tradicionalmente mais votados à esquerda, o BLOCO DE ESQUERDA e o PCP. Uma gigantesca derrota para o BE que passou de meio milhão de votos em 2019 para menos de metade em 2022. Passou de 15 lugares na AR para 5. E o PCP passou de 12 mandatos para metade, tendo perdido o histórico António Filipe cabeça de lista por Santarém e o líder de bancada João Oliveira cabeça de lista por Évora. A CDU perdeu ainda a representatividade do PEV na AR. Jerónimo de Sousa, visivelmente abalado, fez, no entanto, o seu discurso de derrota com toda a dignidade. Mas o seu estado de saúde não parece deixar-lhe outra opção senão aproveitar esta derrota para passar o testemunho a um novo líder. Quanto a Catarina Martins, vai realizar uma reunião neste dia 31 de janeiro na sede do seu partido. A sua saída é previsível.
Quando ao 5.º derrotado, Rui Rio pouco mais há a dizer. Durante a legislatura de seis anos de António Costa, sentou-se sempre no seu colo tendo sido pejorativamente chamado de “catavento” durante a campanha e até de “opositor fofinho” pelo Chega e IL. Rui Rio está longe de ser um líder carismático e o episódio de disputa interna com Paulo Rangel deixou ver mais as suas fraquezas que a sua força enquanto líder. O PSD foi assim outro dos partidos que nestas eleições saiu fragilizado. Um partido sem figuras carismáticas. Os delfins do tempo de Cavaco Silva estão velhos e gastos e até Pedro Santana Lopes como comentador na noite de eleições mostrava já sinais de cansaço físico e até intelectual. Marques Mendes, Paulo Rangel, Luís Montenegro e Carlos Carreiras como figuras de proa do partido também não convencem. O PSD necessita renovar-se e reinventar-se ou corre o risco de esvaziar o seu eleitorado e militantes para a IL e para o CHEGA, os dois recentes partidos vencedores, situados à direita. “Dos fracos não reza a história”. Rio abriu a porta para sair, enquanto espera por um novo líder. Esperemos que leve consigo a estúpida palavra provinciana “GERINGONÇA” que inventou para o acordo PS-BE-CDU e que nunca mais saiu da sua boca. Pois agora teve de a engolir com o fel da derrota.
Quanto a António Costa há que tirar-lhe o chapéu. A sua estratégia, provavelmente preparada pela sua equipa de propaganda e marketing, derrotou com um só golpe não só toda a esquerda mais radical de génese marxista-leninista-trotskista como feriu de morte o PSD, não só o seu principal concorrente nestas eleições como a força política opositora daquela esquerda mais radical, que também caiu nestas eleições. Ou seja, conseguiu derrotar três forças políticas que lhe fizeram frente e ainda extinguir um partido deixando em nocaute 3 partidos nascidos da revolução e o principal partido da sua aliança anterior que se lhe opôs veementemente: o Bloco de Esquerda. Como danos colaterais roubou ainda para engordar a sua maioria, 3 assentos ao PAN. Os animais parecem ficar, assim, a perder. Porque as pessoas, essas, já perdem há muitos anos para a CORRUPÇÃO e para a INDIFERENÇA dos políticos em geral às suas vidas de sobrevivência. Mas para os animais talvez nem tudo esteja perdido. Afinal de contas, António Costa omitiu os seus animais de estimação da campanha, mas poderá adotar a espécie PAN, aparentemente em extinção. Quem sabe, poderá ser o novo elefante na sala…
Desta noite eleitoral ficou a sensação que o CHEGA é o novo CDS, a IL o novo PSD, o LIVRE o novo PCP e o PAN o novo PEV. E o PS é o novo PS de Costa, um PS liberto do fantasma da maioria de Sócrates e que goza do privilégio dos milhões da Bazuca Europeia, repetindo, de certa forma, os anos 90 da Maioria PSD com os milhões que na altura também vieram da UE. E esta parece ser a nova reviravolta nos partidos portugueses. O nosso “Great Reset” em miniatura, bem ao nosso estilo tão português-suave e comezinho.