Estamos Todos no Mesmo Carro (?) e a “Sociedade” Que (Já Não) Temos

Não costumo contar histórias pessoais, mas aqui vou fazer uma exceção, porque me aconteceu algo verdadeiramente chocante hoje.

Estava então a conduzir no viaduto Duarte Pacheco pelas 18:40, e vejo, uns 500 metros à frente, fumo a sair de um carro. E mais. E mais. E mais. Já tive numa situação parecida quando tinha 16 anos, e sei uma coisa- quando se está num carro que está a arder e que está em andamento, e sobretudo se estivermos com alguma velocidade, não o sabemos, porque o fumo fica para trás. Só os outros condutores vêm. Fica aqui uma dica- se sentirem que algo está estranho com o motor, olhem sempre para o retrovisor para ver se o carro está a deixar fumo para trás…

Continuei então a ver o fumo. E mais, e mais. Tinha a certeza que o carro em questão estava a arder, ou a começar a arder. Pensei que ia ver o carro, que ainda estava muito à minha frente, a ir para a direita, para tentar estacionar à direita- assumi que outros condutores teriam entretanto avisado a condutora o que lhe estava a acontecer. Mas não. Continuo a ver o fumo, e mais, e mais, e vejo que o carro está numa das faixas do meio. Então obviamente começo a acelerar, mesmo sendo que não sou o condutor mais confiante visto que só tirei carta há um ano, mudando de faixa aqui e ali, e lá consigo ficar mesmo por detrás do carro. Reparei que, dada a quantidade de fumo que o carro estava a deitar, os outros carros mudaram de faixa para não ficarem atrás do carro, o que facilitou a minha aproximação.

E aqui é que vem a minha indignação. Ninguém fez nada. Não ouvi uma buzina sequer. Nada. Seguiam todos caminho como se nada fosse.

Meto-me então atrás do carro a buzinar furiosamente. O carro continua. Então mudo de faixa, fico na segunda, ela está na terceira- agora já tínhamos ultrapassado o viaduto e estávamos quase na saída para Monsanto, ora, com quatro faixas se não me engano. Buzino, com o vidro baixado, e grito “O TEU CARRO ESTÀ A ARDER!!!” várias vezes, e buzino umas quantas vezes mais. Ela tinha a janela fechada, não deve ter ouvido, então continua. Então meto-me à frente dela. Ia basicamente obrigá-la a parar metendo-me à frente. Quando o faço, vejo no retrovisor que ela se apercebeu, e estacionou à direita com os quatro piscas. Ela pareceu-me segura, então segui caminho.

Fico parvo com a maioria das pessoas. Já vi isto vezes sem conta. Quando acontece algo de anormal que necessita de intervenção, quase ninguém faz nada. E é cada vez mais assim. As pessoas ficam na sua, ou a olhar de forma catatônica como se tivessem a ver um filme o qual não conseguem influenciar. Não é só falta de altruísmo e cuidado pelos outros. É uma incapacidade de estar presente, de ver, e agir.

Se continuarmos assim, e não cuidarmos uns dos outros, às vezes até correndo o risco de parecermos maluquinhos, como eu devo ter parecido ser inicialmente à senhora cujo carro estava a arder, ficamos todos pior, e não vamos sobreviver o que vem aí.

Não, não estamos todos no mesmo barco, nem estamos todos no mesmo carro. Estamos cada um no seu carrinho, a fazer o seu caminho, e se o do lado estiver em apuros, nem piamos sequer. É olhar em frente esperar que não nos aconteça a nós.

Mas no fundo no fundo todos sabemos que assim, não vamos longe.

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2 respostas

  1. Sinto que a indiferença a que assistimos diáriamente, tem a ver com o medo que as pessoas têm de que seja mais um esquema para poderem ser assaltadas.
    Porque se o fosse mesmo, e se parasse, seria assaltado e todis continuariam o seu caminho omitindo auxílio.
    É muito triste, mas é assim que o mundo está…pouco solidário e empático…
    Resta-nos fazer a diferença nos nossos pequenos mundos.
    Felicito-o pela abordagem que teve ao problema . sorte de quem beneficiou.

  2. Efetivamente, é a “Sociedade”, que já não temos. O medo é uma palavra, que teoricamente diz muito, mas na prática não nos diz nada. A Crise dos nossos tempos é a excessiva “lavagem das mãos”. Mas, isso acontece porque as pessoas são demasiado fracas, para assumirem qualquer tipo de responsabilidades. Obrigado pela postagem.

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