A diferença entre o pragmatismo pluralista e o pragmatismo holista, em ciência, é que as especializações disciplinares, no primeiro caso, desenvolvem-se construindo muros e paredes insonorizáveis para cada capela se poder concentrar em manter prestigiada a sua própria identidade independentemente do resto.
Na prática, a expansão da influência do pragmatismo pluralista desde os anos 30 para cá, consubstanciada em políticas científicas caracterizadas pela gestão da ciência, pela dependência da investigação e da formação inicial dos profissionais dos interesses dos estados-mercados, coincide com uma fase actual da vida moderna que está a consumir, até ao descrédito, o prestigio social e político que a ciência granjeou quando, tipicamente, se opunha aos poderosos – mesmo quando colaborava com eles, como foi o arrependimento de Einstein a respeito da bomba atómica.
O que assistimos a respeito da manipulação política da ciência pelos estados e pela indústria farmacêutica, a respeito da pandemia, é mais um episódio de onde o prestígio da ciência está a ser e vai continuar a ser arrastado pela lama. Imaginar que são os fascistas os únicos a manipular a ciência, só porque usam discursos irracionais e sentimentos divisionistas internamente aos seus próprios países, é impedir-se a si mesmo de entender a razão pela qual os votos nos fascistas e o seu poder político se mantém em crescendo – na verdade, em termos históricos, desde 2003, data da proclamação da guerra de civilizações sem fim.
Foram as democracias que mantiveram a campanha de falsas notícias que, desde os anos sessenta, reduziram a opinião as previsões científicas sobre o aquecimento global. Um dos instrumentos foi a corrupção de cientistas e jornalistas ao serviço de quem lhes pagava para mentir. Isso só não foi desmascarado porque a formação dos profissionais que fazem o que for preciso para “vestir a camisola” da sua empresa ou da empregabilidade da sua profissão tinha começado com a universalização do ensino e acelerou com a desindustrialização das metrópoles ocidentais. Isto é, os cientistas e jornalistas que fizeram o trabalho sujo de manter debaixo de fogo a verdade, que actualmente é evidente, fizeram aquilo que todos os outros profissionais estavam a fazer, com maior ou menor impacto directo na situação literalmente catastrófica em que nos encontramos.
A redução da luta contra a injustiça generalizada a questões técnicas de governança nacional, como as políticas públicas, é dar continuidade às práticas decorrentes das políticas científicas e de formação inicial dos profissionais que se têm vindo a expandir. Os resultados têm sido o isolamento dos desejos de transformação social em especialidades e profissionalismos na acção social e cívica, além do crescendo da corrupção e da violação dos direitos humanos dos anos 80 para diante (a que os movimentos sociais responderam com a criação e apoio à Transparência Internacional e os activistas dos direitos humanos responderam passando a preocupar-se mais com o que se passava nos países “civilizados” e menos em dar “lições” aos países em desenvolvimento). Competitivos entre si pelos favores mediáticos e, portanto, dos financiadores, como os profissionais, os activistas dedicam-se ao seu canto de especialidade, ajudando a construir os muros que os separam dos outros activistas e da sociedade.
Temos aqui a descrição de um problema civilizacional. Educados para sermos especialistas profissionais, temos angústias e repugnância em pensar e agir holisticamente. É, de facto, muito eficaz fazer aquilo para que se tem capacidade, vontade e certeza de fazer razoavelmente bem, com profissionalismo. Mas é também preciso nunca se perder de vista as finalidades das organizações e actividades em que cada um colabora, profissionalmente. É preciso saber de que modo o trabalho especializado de uma empresa ajuda, ou não, a civilização a ser mais competente para lidar com os seus problemas. Sob pena de se cair na doença bipolar em que se encontra a nossa civilização: tecnicamente democrática e praticamente belicista; tecnicamente protectora dos judeus e praticamente estigmatizante dos muçulmanos; tecnicamente científica e praticamente nazi-fascista; tecnicamente contra o fundamentalismo islâmico e praticamente fundamentalista cristã.
Se o diagnóstico é correcto, numa civilização mentalmente sã, os profissionais devem ser capazes de estarem informados das finalidades das empresas em que são usados e suficientemente livres e competentes para denunciarem a si mesmos, aos colegas, às empresas e à sociedade, os desvios de rota, como a exploração, a violação da integridade da natureza e dos direitos humanos, a corrupção. Numa sociedade sã da cabeça, cada profissional será um activista da causa que justifica legitimamente a existência do trabalho que desenvolve.

Uma resposta
Como dizia o poeta: “O país que buscava não existe…
Ainda não existe”……..