Pandemia, Confinamento e a Domesticação Total da Esquerda

Estamos a constatar a campanha de engenharia social mais radical das nossas vidas.

Sectores inteiros da economia a serem destruídos. Limitação de liberdades individuais e de direitos políticos outrora considerados fundamentais. Estamos a promover a domesticação total do ser humano como única solução viável para a pandemia, literalmente. Atividades desportivas, ar fresco e exposição solar, das três coisas mais importantes para a nossa saúde, são agora mais difíceis de aceder. Ensino à distância para as crianças. A pandemia também está a acelerar a digitalização vertiginosa de tudo e mais alguma coisa, e talvez a vertente mais importante disto mesmo seja inclusive a digitalização do dinheiro, algo que os bancos centrais sempre quiserem fazer, mas nunca tiveram a oportunidade, até agora. Estamos a constatar também uma consolidação de riqueza nos sectores mais altos da ultra-burguesia-tecnológica em detrimento de sectores intermediários e sobretudo, da população em geral.

Mas talvez no meio disto tudo a história que me surpreende mais é a ausência quase completa de resistência política. Face a tudo isto, os sectores políticos que historicamente teriam o papel de analisar criticamente os fenómenos associados à pandemia, e eventualmente de se organizar para combater qualquer tentativa de usar a pandemia para fins nefastos, não somente não o está a fazer, como escolheu aliar-se incondicionalmente ao poder instituído.

É esta a história recente da esquerda. Uma força política que se diz revolucionária, mas que ao mesmo tempo apela a que se confie nas boas intenções do Estado, tentando ativamente calar, censurar e gozar com toda e qualquer voz discordante, e que não vê nisso nenhuma contradição.

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A função social da esquerda é hoje muito parecida com o dos absorvedores de choque dos arranha-céus, cuja função é a de neutralizar a força provocada pelos tremores de terra de forma a que o edifício não seja danificado- da mesma forma que a esquerda tenta neutralizar através de si a revolta popular de forma a proteger o sistema político vigente

A esquerda tornou-se nos últimos cinco anos em pouco mais do que um gigantesco mecanismo de co-optação, o qual vai captando ativistas que inicialmente até são irreverentes e sonham lutar por um mundo melhor, para depois inevitavelmente os integrar sucessivamente em mecanismos que condicionam a sua atividade política e os condenam à ineficácia relativa, neutralizando qualquer potencial subversivo que poderiam ter tido no início. Pior ainda, a esquerda tornou-se numa espécie de polícia da revolta popular, dando-se ao direito de dizer às pessoas a linguagem, postura, e ideias que podem, ou não, adoptar, quando exprimem a sua legitima revolta. É natural, então, que se constate a alienação crescente da maior parte da população relativamente a esta “esquerda”. A esquerda já estava moribunda nos últimos anos, e a pandemia veio agravar a sua inutilidade como força política discordante.

Por sua vez, esta esquerda pseudo-revolucionária fica também ela cada vez mais condenada ao isolamento social e à crescente obsolescência política. Os grupos de ativistas de esquerda que durante a crise financeira que começou em 2008 organizaram manifestações com centenas de milhares de pessoas, estão hoje perdidos em disputas internas de que ninguém minimamente sério quer saber, a escrever em blogs que ninguém lê e a regurgitar ideias que não dizem nada a ninguém. É penosamente óbvio que é necessário uma nova força política subversiva que possa servir de ponto de convergência para todos os sectores da sociedade que querem lutar contra a transformação forçada da sociedade, para pior, que a pandemia está a permitir.

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10 respostas

    1. Claro que o fim do estado central abre inteiramente o caminho ao domínio absoluto dos grandes ologopólios corporativos, sem terem de respeitar leis ou regulamentos, entidades reguladoras, regras de concorrência e todas as outras restrições à “liberdade comercial” ou à mão invisível dos mercados. O Big Business agradece reconhecidamente.

  1. Caro João Silva Jordão,
    Tocas num assunto de primeira relevância. Mas, de facto, não se entende porque decidiste reduzir o teu ataque à esquerda revolucionária e não mencionaste a incapacidade do neoliberalismo (realmente) revolucionário em cumprir as promessas de liberdade (de iniciativa empresarial), crescimento da economia e boa vida. O neoliberalismo que orienta as acções práticas que, com razão, temes serem nefastas juntam as potencias capitalistas e comunistas deste mundo.
    Desde os anos sessenta (ver Marcuse ou Illich) que se sabe que a oposição (a revolução) foi neutralizada no pós-guerra. Que o mito da esquerda revolucionária – que era uma realidade no século XIX – tenha chegado ao século XXI é um monstruoso falhanço da razão e das ciências sociais. O bom senso dos eleitores tende a acreditar mais na extrema-direita do que na esquerda revolucionária (espero que seja conjuntural).
    É a cegueira industrialmente produzida pelas escolas, universidade, ciências (a somar a práticas religiosas ancestrais), no quotidiano familiar, escolar e profissional, com vista a canalizar a acção humana de forma domesticada aquilo que há que compreender e explicar. Antes desse problema ganhar a centralidade ideológica e política, as pessoas amestradas, hipnotizadas, endoutrinadas, alheadas, domesticadas, ficam como os adictos que se recusam a reconhecer a sua adição: impotentes face à degradação da sua vida.

    1. Olá Professor,

      Tenho que concordar com a crítica. Somente penso que há muito material anti-capitalista, e sim eu produzo algum também, mas há pouco trabalho a falar dos falhanços dos ativistas e sobretudo, o adormecimento quase total da esquerda perante aquele que é certamente a maior campanha de manipulação social das nossas vidas. Ou seja, criticar um ou o outro não é mutualmente exclusivo.

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