Porque é que a política está disfuncional? (I)

Nas últimas décadas, o capitalismo tornou-se o único jogo disponível. A oposição resiste e colabora. Com tal oposição, nem mesmo a refundação do capitalismo, sugerida por Sarkozy e pelo The Economist, se mostrou necessária.

Como é possível os povos continuarem a aguentar a exploração capitalista? A resposta é, estão subjugados pelo império que lhes impõe que colaborem com ele, alegando precisamente a verdade: à falta de imaginação, e também por medo e falta de moral, resta-nos competir de forma a promover o capitalismo, esperando anestesiados que as promessas de bem-estar, paz, progresso se realizem, mesmo contra todas as evidências.

 

Admitindo que a política corresponde à aspiração tácita dos povos de participarem na construção de sociedades melhores do que aquelas em que vivemos, sociedades que justificam para alguns a violência revolucionária ou civilizadora, há que reconhecer que a política (corrupta? ou errada?) não está a corresponder.

Perante a falência do sistema financeiro, em 2008, fizeram-se ouvir protestos para os lados da Grécia, sem sucesso. Desde então, talvez não por acaso, muitos eleitores passaram-se de armas a bagagens para partidos neo-nazi-fascistas. Uma parte da opinião pública, mesmo se envergonhada, já tinha anteriormente adoptado uma atitude de simpatia perante o terrorismo islâmico e volta a adoptar uma postura de compreensão perante a agressão de Putin na Ucrânia. Tais sentimentos nas sociedades ocidentais são minoritários. Mas são combatidos de modo tão persistente e recorrente pela comunicação social de referência, como um serviço ao status quo, que podem estar a ser produzidos pela guerra híbrida, isto é, pela política e economia de guerra, não declarada, que se instalou paulatinamente depois da distensão provocada pela implosão da União Soviética.

Espantados, somos informados da intervenção estrangeira de hackers profissionais nas eleições norte-americanas (uns ingleses e outros russos), capazes de manipular as mentes dos eleitores, levando-os a votar algoritmicamente em quem estão condicionados a votar. Entretanto, Assange está preso aos olhos do mundo, por requisição dos sucessivos Presidentes dos EUA, por espionagem – denúncia de crimes de guerra e corrupção financeira. Provando que a sensibilidade jurídica e política imperial para censurar a informação compreensível e evidente do jornalista perseguido pelo mundo livre é maior do que à necessidade de defesa da integridade da democracia, cujos votos são tratados como um mercado eventualmente susceptível a mensagens subliminares.

No pós-guerra, a política não foi propriamente entusiasta dos direitos humanos. Queria, sobretudo, direitos sociais, coisas concretas eficazes no dia-a-dia dos países ricos. O estado social foi montado para criar esse tipo de direitos, como à saúde, ao trabalho, à educação, à auto-determinação. Com o surgimento do neoliberalismo, nos anos 80, as finanças de Keynes foram substituídas pelas de Hayek. A economia mista foi substituída pela economia global. O socialismo foi metido na gaveta, diluído na terceira via. No caminho, o socialismo real desistiu de existir. Os direitos, incluindo os direitos humanos, foram-se dispersando, especializando-se, banalizando-se. O futuro passou a estar outra vez escrito no destino: alegadamente “não há alternativa!” nem dinheiro para veleidades. O desejo de progresso foi substituído pela finalidade do crescimento económico, sem o qual tudo pioraria, como continua de facto a piorar.

A partir de 2010, a política de combate (ou será manutenção?) das práticas financeiras aberrantes que causaram a falência de 2008 provou que falta de dinheiro e falta de descaramento não há. Porém, todos os partidos políticos acordaram entre si em manter inquestionada a ficção de que tudo vai bem no melhor dos mundos possível, à espera de Godot, o retoma do crescimento sustentado. Putin, ao anunciar a sua operação especial na Ucrânia, pois as guerras terão acabado, alegou que imaginou que tinha chegado o tempo de marcar a decadência do dólar e do euro no mundo. A globalização unipolar norte-americana seria substituída, diz-nos, por uma globalização multipolar, conforme os desígnios de Xi Jinping, que agradece.

Em 2022, as guerras híbridas passaram a ser oficialmente de iniciativa multipolar. Na Ucrânia, a NATO perdeu a iniciativa. Fornece armas e assiste ao desenrolar dos acontecimentos. A vida de milhões de pessoas em todo o mundo são meros efeitos colaterais.

A nossa civilização caracteriza-se por elevar o genocídio a arte bélica, reduzindo drasticamente as oportunidades de diversidade da vida, incluindo a diversidade das culturas humanas. Quem passou a mandar nos antigos territórios onde se experimentou e falhou o socialismo real, cada um à sua maneira, abandonou as políticas de esquerda, pois deixou de haver protecção imperial para elas. O alinhamento com as políticas capitalistas foi regra. Ao Kremlin, o capitalismo não trouxe problemas. O império trouxe. Os jogos políticos e militares ocidentais de distanciamento e de condicionamento das elites russas foram sentidos e recalcados em Moscovo. Assim, foi possível beneficiar dos financiamentos ocidentais para reconstruir as forças armadas russas, até ser julgado oportuno reafirmar a existência do império russo.

Em resumo, na mente da humanidade actual, o capitalismo, reconhecidamente e com a aprovação geral, é funcional. Na verdade, mesmo em presença das questões ambientais e de o facto de a guerra nuclear parecer hoje apenas uma antecipação daquilo que a poluição industrial já promete no médio prazo, o consenso em torno da indispensabilidade do capitalismo para alimentar 8 mil milhões de pessoas é dominante. Como se diz, a partir de certo patamar de população, há que reconhecer a indispensabilidade das organizações hierárquicas e meritocráticas para sustentar tanta gente. A questão, então, é saber quem melhor dirige o capitalismo: os EUA ou a China? A hegemonia da superpotência ou o pluralismo das potências regionais que alegadamente respeitam as respectivas fronteiras? Quais fronteiras? As nacionais ou as de esferas de influência ou as culturais ou as linguísticas?

Continua

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