Se queres a paz prepara a paz, não a guerra

Texto de Mário Tomé, político do Bloco de Esquerda, ex-militar na guerra colonial, militar de Abril

Protesto contra a guerra do Vietnam, Washington DC, USA, 1967 (Marc Riboud)

Como recentemente disse Arturo Pérez-Reverte, a autocracia de Putin não fica atrás da autocracia norte-americana, sendo esta mais matizada pela mediação do complexo subordinante da comunicação social propriedade do capitalismo dominante e pela atoarda de que o mercado é o garante da democracia.

A acumulação primitiva do capital que deu origem ao poder político brutal dos oligarcas russos de que Putin é o vértice, tem uma violência mais explícita; só isso.

O  oportuno e esclarecedor artigo de Mariana Mortágua no JN de 29 de março de 2022 tem o mérito de colocar no seu lugar, ou seja em primeiro plano, o verdadeiro enquadramento, não da brutal agressão de Putin à Ucrânia mas das razões porque a nomenklatura ucraniana, passado já um mês de destruidores e assassinos bombardeamentos, vai arrastando uma aparente disponibilidade para  ceder às exigências fundamentais de Putin ao mesmo tempo que apela, entre o angustiado e o impertinente, a apoio em armamento nomeadamente meios de combate aéreo e …à intervenção das potências europeias directamente no conflito, enquanto tal ou enquanto membros da NATO, mesmo sabendo da insanidade de tal pretensão.

O Herói do regime rotulado de democrático desde o golpe fascista de 2014, que proíbe a língua russa aos que sempre a falaram, persegue russófonos e proíbe partidos e persegue opositores ou simplesmente críticos, numa putinização que não ofende, deixa as mais conspícuas assembleias políticas, incluindo o Parlamento europeu, a babarem-se de líbido combativa e acrisolado amor ao povo ucraniano, realmente a todos os povos do mundo.

Zelensky é, de facto, um habilidoso e labioso que coloca as suas habilidades de comediante, ao serviço dos interesses norte-americanos como paga pela sua influência e participação activa no golpe da praça Maidan que o pôs no poder às ordens.

A estratégia de mudança de regimes, desde que o presidente Monroe em 1823 teve a divina revelação, sempre presente nas preces com que nos EUA se agradece a possibilidade de arrasar terras e gentes por esse mundo fora, entrou-lhes no sangue (não no ADN, que esse é o da Revolução Americana percursora da grande Revolução Francesa) como mostrou Biden ao deixar escapar a vontade de apear Putin. Tal estratégia é um dos sinistros e traiçoeiros determinantes das intervenções dos EUA.

Ninguém se esquece, embora pareça, do Chile de Allende nem da monstruosa mentira das armas destruição massiva de Sadam, desmentida posteriormente pelo seu principal promotor no Conselho de Segurança da ONU (com apresentação de vídeos forjados e tudo) o general Collin Powell mas  também pelo Director da Agência Internacional de Energia Atómica, Mohamed ElBaradei no seu livro  A Era da Mentira.

Na altura, nos alvores de 2003, os lacaios Tony Blair, Durão Barroso e Paulo Portas juraram ter visto as provas das armas de destruição massiva para, obscenos e orgulhosos sem vergonha e quase venerados pelas elites dos respectivos países, servirem de capacho à invasão do Iraque destinada a impor uma democracia coabitante com a dinastia saudita, a das oitenta decapitações num só dia, colaborante no ataque às Twinn Towers em Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001.

É gente desta que agora se propõe ser instrumento da militarização da Europa nesta nova era da mentira.

A invasão da Ucrânia, anunciada objectivamente durante um período de tempo apreciável, deparou-se com uma resistência impossível, sublinho impossível, provocando um prolongamento da guerra, que só serve a estratégia dos EUA ou seja a militarização da Europa ao serviço da NATO Esta é, aliás, desde a sua criação, o instrumento fundamental de domínio político sobre os europeus: primeiro sob a falácia bem urdida da ameaça soviética cujo predomínio sobre os países leste-europeus foi decidido em Yalta com o acordo de Churchill e Roosevelt – e cujo alastramento, a haver, nada tinha de avanço territorial mas de avanço do ideal socialista, que, aliás, a própria URSS já tinha abandonado desde a morte de Lenin, mas que ainda servia de guia à luta revolucionária do proletariado nos respectivos países (1)

Um factor decisivo neste tipo de guerra é o domínio aéreo que é absoluto por parte da Rússia. Um dos momentos históricos considerados exemplares encontramo-lo na batalha das Ardenas quando o exército alemão concentrou forças muito superiores às dos aliados, na região que nomeou a batalha, mas foi completamente destroçado pela total superioridade aérea destes. O reverso encontramo-lo na batalha de Stalingrado decisiva para a vitória dos aliados na IIGM, em que a estratégia soviética para se defender da superioridade aérea nazi consistiu em obrigar o inimigo a combater tão perto, que os bombardeamentos aéreos do invasor atingiriam as suas próprias tropas.

Ora, na Ucrânia, isto não é possível e aí temos um exército completamente sujeito às manobras do inimigo, obrigado a fixar-se, primeiro, no que parecia uma ameaça a Kiev mas que não passava de uma manobra de diversão, sendo depois obrigado a acorrer a Donbass, única região que interessa a Putin. O exército ucraniano perdeu a pouca capacidade de iniciativa que poderia ter desde a invasão, e está praticamente cercado e sujeito ao poderio aéreo russo sem resposta possível.

A Putin nunca lhe poderia interessar a ocupação e domínio militar da Ucrânia porque aí perderia então a guerra, sujeito à acção permanente e sistemática de uma população totalmente hostil disseminada a toda a hora e em todos os lugares.

Quando muito tentar conseguir uma nova Bielorússia seguindo o exemplo já secular dos seus émulos norte-americanos no Vietnam no Afeganistão, no Iraque, América Latina, com os resultados que se conhecem, e cuja prática teimosamente arrogante e imbecil de recurso aos danos colaterais para justificar os crimes de guerra que caracterizam todas as intervenções deste tipo, levou Biden a confessar a estratégia última em relação à Rússia, revelando um cretinismo estratégico sem par: substituir Putin.

O Resistente Zelensky, talvez aconselhado pela Senhora de Fátima que já lá está, vai ceder ao essencial quando as potências para que apela acharem que chegou a hora. Zelensky cumpre o seu papel forçado pela vasta mafia de assassinos de voz meiga que compõem o negócio do armamento com o Complexo Industrial Militar dos EUA à cabeça, mais os franceses e, até, os alemães.

Toda a lamúria habilmente associada a firmeza de resistente  mais ainda de vanguarda da resistência europeia à grande ameaça russa, esconde  real insensibilidade ao sofrimento do seu povo massacrado que, para além dos já milhares de mortos civis, vai abandonando a sua terra com o sofrimento e o desgosto espelhados no rosto em mais um violento êxodo a somar aos muitos milhões de refugiados provocados pelas guerras desde a Palestina, a Síria, ao Iraque e por aí.

Pois… a pátria! Embora entre parêntesis pergunta-se: de quem?

Pois… a resistência à brutal invasão estrangeira.  Resistência legítima, mais que legítima. Mas já deu para entender que tanta resistência só serve para prolongar uma guerra – ainda agora Zelensky afirmou “vai demorar mas a vitória será nossa” (a palavra chave é demorar)- até um acordo cujas bases   materiais e políticas poderiam ter sido celebradas sem disparar um tiro.

As exigências de Putin têm a ver com o que considera o cerco da NATO numa situação semelhante à que provocou a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1961, tida como ameaça inaceitável pelos EUA num clima de disputa imperialista de hegemonia.

Tal clima manteve-se sempre em agenda, umas vezes mais explícito outras menos, mesmo quando se decretou o fim da Guerra Fria depois da desagregação da União Soviética. Os EUA precisam de referenciar permanentemente um inimigo que lhes permita manter ou recuperar o papel de polícia do mundo a pensar em ser dono do mundo

Mariana Mortágua esclareceu-nos muito bem sobre o que faz correr os sonâmbulos que Guterres refere na corrida para o abismo climático, na realidade bem acordados para os seus interesses rapaces e desumanos que, agora com a justificação da guerra, vão deixar de mostrar a preocupação hipócrita com as alterações climáticas.

Os gastos da U E em apoio financeiro à industria de armamento segundo o estudo dum consórcio internacional de jornalistas, referido por Mortágua, passaram de 90 milhões entre 2017 e 2019 para 500 milhões em 2020 para, actualmente, o programa de defesa atingir os 7.900 milhões de euros.

O  poderoso complexo industrial militar dos EUA, acompanhado ao longe pelos satelizados franceses e alemães, tem um poder na definição da geoestratégia mundial maior ou equivalente ao actual poder do negócio do petróleo e das futuras reservas de metais e elementos raros,  preciosos para as alternativas capitalistas de produção de “energia verde”.

Mas há que deixar claro que a coordenação europeia de defesa é feita pela NATO, que o papel de embrulho da UE nesta guerra europeia é determinado pelos USA, e que a resistência ucraniana com todo o  patriotismo e heroísmo alardeados pelo inefável Zelensky, ou seja todo o sofrimento dos que já morreram, dos que ficam e dos que fogem, estimados em 10% da população até ao fim deste mês, vai sair derrotada pela desumana lógica da guerra.

Fica-nos o re-armamento dos europeus, dando satisfação ao desejo de há muito expresso pelos nossos maiores de reimplantar o serviço militar obrigatório, num recuo civilizacional, que o é!, de 20 anos.

Claro que a indústria da manipulação ideológica se encarrega da preparação das opiniões para aceitarem o esbulho prà guerra: “corremos grandes perigos, precisamos de nos proteger, a Rússia quer e prepara a invasão dos países Bálticos, talvez da Finlândia e da Polónia, para começar. Vejam o que está a acontecer na Ucrânia!”

Só há uma dificuldade nesta conversa: a Federação Russa não tem capacidade militar, nem económica, nem anímica para tão estranha ambição.      

Agora – viva a guerra, não dizem mas pensam eles – milhares de milhões irão direitinhos para armas empunhadas por novos taratas, galuchos e magalas, vulgo soldados,  para acabarmos com o desequilíbrio de termos quase mais generais do que cabos  com que iremos derrotar os russos, venham quando vierem.

E submarinos como os do Paulo Portas, não esquecer.

Mas o que é fatal como o destino – decerto manifesto – é que os milhares de milhões que não fazem falta nenhuma aos dois milhões de pobres, aos salários que António Costa não quer subir para enfrentar a inflacção, em vez de ir aos magnatas que com a inflacção aumentam os seus lucros indecorosos, numa afronta criminosa a quem trabalha, vão ser despejados para enriquecer ainda mais a indústria da morte deixando o povo à míngua.

Investimento na Defesa só há um legítimo, porque responde às necessidades e direitos de quem trabalha: o investimento na Defesa Civil, defesa de pessoas e bens, defesa dos bens comuns.

E assim, sem querer e quase sem dar por isso, chegamos ao que importa: a paz não se obtém preparando a guerra, ao contrário do que dizem, mas juntando a gente toda, os trabalhadores e todos os que realmente querem a paz, para confrontar o Governo belicista – já a formiga tem catarro – e recusar o SMO exigindo que os 1200 milhões destinados à NATO a juntar aos 2000 milhões destinados anualmente à chamada defesa, respondam, sem delongas, às necessidades vitais dos trabalhadores: «a paz,o pão,habitação saúde,educação».

Vamos ter o povo à mingua mesmo que jornais, rádios e tv’s amaciem e dourem a pílula, que é essa a missão que assumiram no lugar da denúncia, bem argumentada e sustentada, das manobras para justificar a necessidade de uma boa guerra.

A luta terá de ser dura mas sem ilusões de que se obtém a paz pelos caminhos milenares que só levaram à guerra.

A paz só se alcança com luta unida e esclarecida, afrontando no seu cerne e onde lhes dói, nos seus lucros desvairados, os tais sonâmbulos  de Guterres que são de facto os bi e tri milionários, capazes de tudo para explorarem insensivelmente e dolosamente a natureza e quem trabalha, que comandam os assassinos de voz meiga como o Biden  ou rude como o Putin,

O Presidente da República, o Primeiro Ministro vão ter que ser responsabilizados pela preparação prà guerra, instrumento de dominação imperialista, e pelas consequências sociais e económicas daí decorrentes.

Se queres a paz prepara a paz!

 

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