
Deparei-me o outro dia com esta ilustração, a qual tenho a certeza que não foi feita nem como um exercício de sarcasmo, nem como uma crítica à sociedade excessivamente individualista em que vivemos. E sei isso em parte porque vejo cada vez mais pessoas à minha volta a adoptar ideias e atitudes parecidas.
Por vezes falo da glorificação do narcisismo, já tendo até discutido a Sociopatia Filosófica dos Nossos Tempos, e entretanto encontrei esta ilustração, que sem querer, resume perfeitamente o narcisismo latente e crescente na nossa sociedade. A palavra “Narciso” tem como origem o mito de Narcissus, que se afogou depois de passar demasiado tempo a admirar o seu próprio reflexo na água de um lago.

Reparem como a imagem inicial até inclui este conceito, literalmente, alguém a olhar para o seu próprio reflexo, se bem que… De olhos fechados. Mais uma vez, provavelmente sem querer, o desenho acaba por servir como uma crítica perfeita à sociedade moderna- pessoas que passam imenso tempo a contemplar-se a si mesmas, mas sem que como resultado disso consigam ter qualquer tipo de conhecimento próprio nem muito menos algum tipo de iluminação ou consciência ética ou espiritual, talvez porque estão, de forma figurativa, de Olhos Bem Fechados (estarão com os “Eyes Wide Shut“?)
Esta total falta de noção faz com que seja normal, infelizmente, que tal ilustração tenha sido certamente produzida por alguém que acha que é a representação do caminho a seguir, que pensa que espalhar este tipo de conceitos constitui em si uma espécie de virtude.
E este não é um fenómeno recente, nem limitado a um ou outro setor da sociedade- Estende-se a todo o espetro político, a todas as camadas sociais, se bem que claramente um pouco mais numas do que outras. Há um consenso alargado relativamente à suposta virtude da adoção de atitudes narcisistas- e essa é uma das grandes tragédias da nossa era.
É óbvio que devemos ter a capacidade de tratar de nós próprios, de ter um sentido dos nossos interesses e objectivos individuais, e sobretudo, uma visão clara dos nossos direitos como indivíduos singulares e únicos. Neste sentido, o que precisamos é de equilíbrio. E nada nesta ilustração é equilibrada. Reparem bem nas palavras. Uma pessoa que pede desculpa por toda e qualquer situação onde não se tenha dado prioridade a si mesma. Mas não está correto, ou mais, não será estritamente necessário, para podermos viver em sociedade, termos a capacidade de darmos prioridade a outrem, ou até de nos sacrificarmos pelos outros? Claro que sim. Mas esta imagem diz explicitamente que nos devemos dar prioridade a nós mesmos, SEMPRE, e que quando não o fazemos, devemos pedir desculpas a nós mesmos. Ora isto é narcisismo doentio, pura e simplesmente.
Imaginem agora como se poderia aplicar na prática este conceito, exercício através do qual nos podemos aperceber da putrefação absoluta da mensagem central desta ilustração. Imaginemos agora uma pessoa que pede desculpa, mas não a outra pessoa por algum mal que lhe fez, mas sim a si própria por, no passado não ter, a todo e qualquer momento, em toda e qualquer situação… Dado prioridade absoluta a si própria, aos seus desejos, interesses e objetivos. Esta imagem acaba por ir além até do narcisismo compulsivo, quase que entrando mesmo na arena da doença mental pura e dura. E é assim cada vez mais a sociedade em que vivemos. Tão individualista que se torna doentia.
Uma resposta
A mais plausível das Histórias sobre Narciso. Pausânias acha incrível que alguém não conseguisse distinguir um reflexo de uma pessoa verdadeira, e cita uma variante menos conhecida da história, na qual Narciso tinha uma irmã gémea. Ambos se vestiam da mesma forma e usavam o mesmo tipo de roupas e caçavam juntos. Narciso apaixonou-se por ela. Quando ela morreu, Narciso consumiu-se de desgosto por ela, e fingiu que o reflexo que via na água era sua irmã. Onde o seu corpo se encontrava, apenas restou uma flor: o narciso. No reflexo Narciso sabe que é a irmã porque a ela corre-lhe as lágrimas do olho contrário ao seu. Ninguém nunca se viu a si próprio por isso o “Homoburrus” não é nem nunca será HONESTO.