Os Direitos das Pessoas com Deficiência são Direitos Humanos

A intervenção social nunca deve ser feita numa perspetiva caritativa, que acaba por perpetuar as condições que suscitaram a sua necessidade, mas sim numa perspetiva de, efetivamente, trazer mudanças às vidas daqueles que dela precisam.

Com esta visão em mente, não poderíamos dizer que o objetivo final da intervenção social, levando a coisa ao limite do mundo perfeito, deveria ser a sua extinção? Não deveriam as instituições trabalhar no sentido de integrar todos na sociedade? Ora, não é de forma nenhuma o que se verifica. O sistema trabalha incansavelmente para perpetuar as institucionalizações com uma visão puramente economicista, e por vezes, nem isso, apenas com a intenção de “armazenar” os “incómodos”. Isto verifica-se em todas as áreas de intervenção social, institucionalizam-se crianças, velhos, doentes mentais e pessoas com deficiência sem tentar de forma séria e consistente criar condições para terem uma vida integrada na sociedade.

Longe de mim querer demonizar a ação das instituições, já que muitas vezes são necessárias e fundamentais à dignidade destas pessoas. Mas a institucionalização deveria sempre ser o último recurso, a última ação depois de tudo tentado. Institucionalizar alguém é sempre retirar-lhe autonomia, retirar-lhe a sua posição de cidadão. Por muita liberdade que seja dada à pessoa é sempre a instituição que decide coisas tão básicas como a que horas ela se levanta, a que horas e o que come, quando toma banho, quando sai à rua – se tal for permitido – é, sempre, condicionar a ação daquela pessoa. Porquê fazê-lo antes de tentar de todas as formas uma vida mais autónoma em sociedade?

Um exemplo extremo do tipo de infraestutura que alega facilitar o acesso a pessoas com dificuldades de mobilidade que por vezes encontramos…

Não desvalorizando a situação de idosos e crianças, no caso das pessoas com deficiência, o constante empurrar destas pessoas por parte do governo para instituições constitui uma flagrante violação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ratificada por Portugal em 2009, que especifica no seu artigo 19, o “Direito a viver de forma independente e a ser incluído na comunidade”, deixando claro que:

“Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem o igual direito de direitos de todas as pessoas com deficiência a viverem na comunidade, com escolhas iguais às demais e tomam medidas eficazes e apropriadas para facilitar o pleno gozo, por parte das pessoas com deficiência, do seu direito e a sua total inclusão e participação na comunidade, assegurando nomeadamente que:

a) As pessoas com deficiência têm a oportunidade de escolher o seu local de residência e onde e com quem vivem em condições de igualdade com as demais e não são obrigadas a viver num determinado ambiente de vida;

b) As pessoas com deficiência têm acesso a uma variedade de serviços domiciliários, residenciais e outros serviços de apoio da comunidade, incluindo a assistência pessoal necessária para apoiar a vida e inclusão na comunidade a prevenir o isolamento ou segregação da comunidade;

c) Os serviços e instalações da comunidade para a população em geral são disponibilizados, em condições de igualdade, às pessoas com deficiência e que estejam adaptados às suas necessidades.”

Nada disto tem sido verificado.

Em 2015 foi criada a Secretaria de Estado para a Inclusão das Pessoas com deficiência com muito alarde à sua volta pois teríamos, pela primeira vez, uma secretária de estado cega, secretária essa que provou que não basta ter deficiência para lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, já que, sob a sua tutela vimos surgir cada vez mais instituições, vimos surgir um suposto estatuto do cuidador informal que não responde de formas nenhuma às necessidades reais das pessoas – existem vários casos de pessoas que conseguem um bonito cartãozinho, mas não conseguem apoio absolutamente nenhum.

Vimos surgir um projeto-piloto de Vida Independente, que se arrisca neste momento a terminar e a ser implementado apenas como algo a ser comparticipado e não como um direito para todos os que dele precisam – neste ponto é necessário ter em conta que muitas vezes as pessoas com deficiência vivem com as suas famílias porque precisam de apoio constante e estes rendimentos são todos contabilizados, ora, se a Vida Independente deveria ter em vista a autonomização nunca a existência de um Assistente Pessoal deveria estar dependente dos rendimentos da família, a forma como estão a planear pôr este projeto em prática é uma “pescadinha de rabo de na boca” que vai prejudicar as pessoas com deficiência.

Vimos, também, ser aprovada uma lei (que ainda não foi regulamentada) que permite a reforma antecipada de quem tem deficiência, mas apenas para quem tem uma incapacidade superior a 80%, deixando assim de fora um universo enorme de pessoas com incapacidades entre os 60% e os 79%, sendo uma migalha que não queremos nem aceitamos, empurrando estas pessoas para a indignidade de uma reforma por invalidez, quando trabalham e descontam como qualquer um.
Vimos ainda, ser criado um programa especial de emprego, a Valor I, que se veste como sendo um programa de inclusão, quando não passa de um ghetto para os “coitadinhos”, quando a verdadeira inclusão passa por criar mecanismos nos Centros de Emprego para que todos, sem exceção possam aceder ao pleno emprego.

E muito mais vimos ao logo dos mais de seis anos de existência desta Secretaria que não cumpriu os objetivos a que se propôs e que exigimos. Seis anos porque, clarificando bem aquelas que sempre foram as intenções destes governos, este ano, no início da nova legislatura, esta Secretaria passou de Secretaria de Estado para a Inclusão das Pessoas com Deficiência a, apenas, Secretaria de Estado para a Inclusão, reduzindo mais uma vez as pessoas com deficiência àquilo a que, aos olhos dos governantes nunca deveriam ter deixado de ser reduzidas, à sua insignificância, à invisibilidade. Manteve-se a Secretária, que demonstra que a sua falta de visão vai muito além de uma questão física.

A Vida Independente, o Estatuto de Cuidador Informal, a desinstitucionalização são ferramentas fundamentais para a dignidade das pessoas com deficiência, mas também, e mantendo uma visão puramente economicista – que é o que guia os nossos governos e a nossa sociedade – é uma forma de criar riqueza, já que as pessoas com deficiência são pessoas tão capazes como qualquer outra de trabalhar e produzir, a libertação dos cuidadores traz mão de obra e a assistência pessoal cria emprego.

Mas, e acima de tudo, os Direitos das Pessoas com Deficiência são Direitos Humanos e desses nunca podemos abrir mão.

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