Há alguns anos, comecei a afastar-me progressivamente dos círculos da esquerda ativista dita “radical”, mas que cada vez mais de facto é tudo menos verdadeiramente radical, e posso dizer que no futuro próximo, só me vejo a afastar ainda mais. Comecei-me a afastar precisamente quando a esquerda nacional, e de certa forma, mundial, começou a enlouquecer, lá por 2015-2016, e posso dizer foi das melhores decisões que tomei recentemente- e desde então a decadência só acelerou.
Acho que para mim a gota final foi quando se tornou tabu nos circuitos dos ativistas de esquerda acreditar que existem diferenças biológicas entre homens e mulheres. Foi aí que me apercebi que se estavam progressivamente a divorciar da realidade, e que se estava a tornar primeiro numa virtude, e depois, numa obrigação, fingir acreditar em coisas ridículas desse tipo. Foi uma excelente decisão- notei bastante rapidamente que comecei a pensar de forma muito mais clara e avancei imenso na vida, enquanto que a maioria dos ativistas que conheço ou estagnaram na sua vida ou pioraram de forma significativa em termos físicos e/ou mentais. É realmente triste de ver.
Talvez o pior momento da esquerda foi mesmo a pandemia, período durante o qual a sua loucura se intensificou visivelmente. Ficaram ainda mais louquinhos da cabeça, fechados em casa a defender de forma ferrenha a indústria farmacêutica como se esta não pudesse nem quisesse nem conseguisse alguma vez possivelmente lançar produtos perigosos e ineficazes nem muito menos agir de forma gananciosa e irresponsável, e a dizer que quem questionasse o que quer que fosse era ou “negacionista”, um termo insignificante que insulta a inteligência de qualquer pessoa que o usa, ou até que quem questionasse a autoridade política era literalmente um Nazi, quando é óbvio para qualquer observador minimamente perspicaz que a obediência total que a esquerda exigiu a tudo e todos perante as figuras de autoridade durante a pandemia foi ela própria uma postura altamente fascizante e proto-Nazi. Comigo esta pressão não funcionou porque me apercebi desde cedo o quanto tudo sobre a pandemia era altamente suspeito e claro, porque já me tinha divorciado mentalmente dos circuitos da esquerda ativista há bastante tempo.
A Esquerda Está-se a Entrincheirar e a Isolar
Todo o meu perfil é contrário aquilo a que a esquerda ativista se tornou. Eu sou culturalmente e intelectualmente eclético, leio e partilho imensas coisas de várias fontes, inclusive de organizações e pessoas com as quais até discordo em muitas áreas, e obviamente seria impossível e até indesejável concordar com todas as posições das pessoas cujo material leio e partilho. Imaginem claro, a minha posição- sou um Muculmano tendencialmente de esquerda no Ocidente, e então a polarização e aquilo a que chamam de “cultura de cancelamento” é incompatível com a minha natureza e com os meus horizontes intelectuais. Da mesma forma que os meus amigos de esquerda me podem acusar de ter visões Islâmicas que são incompatíveis com o consenso liberal à volta de questões sexuais e matrimoniais, por exemplo, os meus amigos Muçulmanos também me poderiam acusar, ao ver-me partilhar algum texto de Marx, e dizer que eu devia ter vergonha porque ele era ateu, e que o materialismo dialético é completamente contrário ao Islão, e que portanto partilhar alguma coisa desse autor constitui uma espécie de blasfêmia. E de certa forma, até poderiam ter razão. Somente que não teriam, de uma perspetiva Islâmica, razão de todo, porque o verdadeiro Islão ensina a estudar e partilhar ideias mesmo vindas de pessoas que têm algumas crenças que acreditamos serem incorretas. O melhor exemplo disto mesmo foi a idade de ouro Islâmica durante a qual a maioria dos melhores pensadores Muçulmanos eram obcecado por ideias de uma sociedade pagã, tendencialmente homosexual, e extremamente violenta como era a Grécia antiga. Mas o conhecimento que de lá vinha foi essencial para revitalizar e inspirar a própria civilização Islâmica e permitir que chegasse a novos patamares.
Ora, a esquerda perdeu esta capacidade de ser eclética e de ter um espirito aberto, não somente, mas em grande parte como resultado da importação das guerras culturais Americanas. Eu recuso-me a ir por esse caminho. Há aqui uma consistência com quem sou e como ajo, e sinceramente parece-me ser uma abordagem iminentemente superior à da esquerda moderna. O impulso da esquerda moderna é de se restringir dentro de uma bolhinha social cada vez mais pequena, bolhinha isolacionista esta que é alimentada por uma espécie de pânico pseudo-ético e de um profundo falso moralismo que, paradoxalmente, é uma característica central dos piores movimentos movidos por um fundamentalismo religioso acéfalo e agressivo. E como qualquer atitude intelectualmente isolacionista e insular, leva sempre ao mesmo lugar- miopia, fraqueza e inevitavelmente, à derrota. Esta é infelizmente uma tendência cada vez mais visível na esquerda, e só ficam a perder, e de facto, toda a sociedade fica a perder- porque a resistência consciente que a esquerda representou durante décadas faz imensa falta a todas as sociedades. Eu pessoalmente do ponto de vista ideológico tenho alternativas e outros sítios para onde ir, e tenho outras arenas de contestação, debate e desenvolvimento nas quais posso participar, nomeadamente circuitos Islâmicos nos quais me revejo, e dada a incrível variedade de organizações, culturas e tendências políticas que compõem o mundo Islâmico, vou sempre conseguir enquadrar-me algures. Já o esquerdista médio não tem tanta sorte, e então estão cada vez mais condenados ao pensamento singular e falta de atitude eclética para com o conhecimento e pensamento, reféns de ondas incessantes de novas ideias, por sinal, cada vez mais ridículas, sendo chantageado socialmente a acreditar, ou fingir acreditar nelas, sob ameaça de exclusão social, ou pior. Deviam reconsiderar esta atitude intransigente e isolacionista, e vão ter que o fazer, porque a série de derrotas estrondosas que estão a sofrer, e que vão continuar a sofrer, vão necessariamente obrigar a uma profunda reflexão e mudança de rumo. Até lá, recuso-me a aceitar a coação e chantagem constante da esquerda que me quer meter na mesma bolhinha míope e isolacionista em que se enfiaram a si próprios.

E depois há claro o crescente falso radicalismo da maioria da esquerda, porque de facto são altamente moderados no que toca questões políticas centrai, como na geopolítica, e até em questões socioeconómicas, mas em questões ridículas e previamente periféricas, lá adotam o seu pseudo radicalismo performativo– sendo o ativismo parvo, lunático e agressivo à volta de questões sobre transexualidade o apogeu disso mesmo.
Será que as Guerras Culturais São uma Conspiração da Ultra-Direita para Destruir a Esquerda?
Acabo com uma pequena nota mais especulativa. De certa forma as guerras culturais Americanas quase que parecem agir e afetar a esquerda como se fosse uma espécie de conspiração da Ultra-Direita e do Estado Profundo dos Estados Unidos da América que visa infiltrar a esquerda cognitivamente, convencendo-a a adotar ideias ridículas e irracionais, tornando o seu contingente numa massa disforme de quasi-retardados mentais histéricos que agem cada vez mais contra os seus próprios interesses, adoptando atitudes e hábitos de auto-destruição física, mental e ideológica. As suas organizações depois começam inevitavelmente a implodir através de lutas internas constantes, e simultaneamente são cada vez mais odiados pela maioria da população. Este desenvolvimento abre as portas a que a esquerda possa então ser simplesmente arrasada na sua totalidade, para depois a direita autoritária poder implementar a médio-longo prazo uma espécie de tecno-fascismo sem oposição organizada. Às vezes fico a pensar sobre como as guerras culturais Americanas são o instrumento perfeito para cumprir aquilo que o Estado Profundo Americano sempre quis- neutralizar a sua esquerda interna e obliterar a esquerda organizada a nível mundial. Ou então não passa de uma infeliz coincidência. Mas não me parece.
Uma resposta
Não poderei deixar de me reconhecer na análise que faz acerca dos propósitos da difusão da cultura americana, do aproveitamento do “stablishment americano” da contestação da juventude americana dos anos sessenta ao poder estabelecido.