O Futuro Já Chegou: Pandemias frequentes, Estirpes variantes, Espécies mutantes

Na recente entrevista com Juan Zafra da BBC, o sociólogo Jeremy Rifkin reflete sobre a pandemia que fez o mundo parar e conclui que a aceleração das alterações climáticas pode ter causado as mutações de coronavírus já existentes e a transmissão entre espécies. Já aconteceu no passado e é algo que pode derivar, na sua opinião, de alterações bruscas de temperatura ou humidade em climas quentes e frios. Rifkin acredita que a nossa sobrevivência enquanto espécie depende de um equilíbrio necessário com o meio ambiente e também com a nossa própria espécie. Numa breve retrospectiva, o ano de 1886 é tido como o ano zero para o automóvel a combustão de gasolina, ou melhor, o ano de nascimento do automóvel moderno, com o lançamento do Benz Patent-Motorwagen do inventor alemão Karl Benz. A corrida ao petróleo para iluminar as cidades acaba por fazer expandir a indústria automóvel, e decorridos 134 anos, a humanidade ainda utiliza uma variante muito próxima desta tecnologia na grande maioria dos veículos que circulam neste planeta. Toda a tecnologia evoluiu exponencialmente, mas a tecnologia de uma invenção que praticamente todos os humanos utilizam mantém-se quase inalterável, se exceptuarmos questões que se prendem com o design das carroçarias. Jeremy Rifkin é assessor de governos e multinacionais um pouco por todo o mundo e questiona-se, será que o COVID-19 veio acelerar a terceira revolução industrial? A que foi prevista por Alvin Toffler, a verdadeira revolução da era da informação, a caminho da quarta revolução – sustentabilidade e ambiente – em todas as ações humanas?

A alteração do ciclo das águas, que antes penetravam naturalmente nos solos e eram filtradas pelas várias camadas-estratos da terra, originavam um processo lento equilibrado em toda a natureza. Com a artificialização dos solos, os fluxos da precipitação e consequente evaporação foi alterado. Agora os rios correm nas estradas quando há tempestades, não se infiltrando naturalmente nos solos, que estão cada vez mais secos e consequentemente mais sujeitos a incêndios. Alterações que, em conjunto com a destruição acelerada das florestas estão a fazer com que cada vez mais animais e espécies partilhem os seus habitats em espaços abertos cada vez mais reduzidos. Isto provoca uma adaptação demasiado rápida no lento processo da Natureza do nosso planeta, por inúmeras espécies vegetais e animais. E isto é o suficiente para gerar novas doenças, vírus e bactérias, às quais o humano pode não ter tido ainda tempo suficiente ou capacidade de criar imunidades naturais. Ao ciclo recente de inundações, incêndios em larga escala e tornados juntam-se agora também os ciclos pandémicos. E isto não vai parar. Pelo contrário. Está a aumentar exponencialmente. Para agravar esta complexa equação de problemas, a sobrepopulação do planeta está a exaurir o ecossistema e os solos estão a ficar esgotados. São, por isso, inundados de químicos, que pretendem potenciar e acelerar o crescimento das plantas com vista a rentabilizar a cadeia de distribuição de produtos alimentares, sempre em constante expansão. Os pesticidas que aumentam o sucesso das colheitas estão a matar insetos e aves fundamentais à polinização e ao equilíbrio microscópico ou macroscópico de muitos habitats.

Por outro lado, o trânsito de humanos pelo planeta aumentou significativamente com a expansão da aviação comercial, dos cruzeiros turísticos, dos conceitos de férias de pacote e com certos destinos de férias que pela sua beleza ou pecularidade geram modas anuais que fazem com que todos queiram tirar a fotografia naquele spot específico, no mesmo ângulo, do ator ou figura pública. Este frenesim das redes sociais gera muitos milhões, mas em simultâneo, entrou num ciclo sem fim e sem solução, pois parece ser sempre crescente. E a Natureza, o planeta é finito, tem limites. Os animais e espécies em geral sofrem quer pelo desaparecimento dos seus territórios selvagens, como pela poluição das águas, atmosférica, elétrica e sonora. A vida animal e humana está cada vez mais próxima, seja no estado selvagem, seja no estado domesticado, para produção alimentar. Os seus vírus e bactérias também estão cada vez mais próximos. Para o sociólogo, já nada voltará a ser como antes. O Covid-19 veio lançar novas formas de viver e desacelerar o nosso modo de vida desequilibrado. Mas isso não significa que o modelo de vida humano se venha a tornar equilibrado só porque foi introduzida uma nova incógnita na sua complexa equação. A nova forma de viver deverá originar alterações urbanas nos espaços públicos e zonas comerciais, mas também arquitectónicas nos espaços interiores das nossas casas, escritórios e indústrias. Também os processos de produção de alimentos e a sua manipulação terão de ser totalmente adaptados ao novo estilo de vida no qual coexistimos com agentes contaminantes de alto risco para a vida humana.

Se esta quarentena mundial não provocar a mudança no nosso modo de vida enquanto espécie, para algo mais lógico e menos destrutivo, os desastres naturais e as pandemias vão desestabilizar as economias e pôr em causa a nossa sobrevivência, se considerarmos os biliões de pessoas e animais que temos de alimentar todos os dias. Associado ao problema da alimentação está, como é evidente o da produção alimentar, o da poluição da água dos rios, dos mares, da atmosfera e dos solos. No fundo, a poluição de todos os meios e habitats que nos garantem alimento. Por isso, os alimentos virão contaminados, deformados na sua genética o que causará mutações e doenças para as quais poderemos não ter conhecimentos científicos suficientes para criar curas atempadamente. Ainda que muitas pessoas neguem a evidência, caso este vírus não tenha uma cura para os próximos tempos, ou que continue a mutar, a humanidade, devido ao elevado nível de transmissibilidade dos vírus tipo “corona”, poderá estar a criar níveis de rutura social que possam destruir décadas civilizacionais. Para Jeremy Rifkin é fundamental passarmos a ter uma relação diferente para com o planeta. Cada comunidade deve responsabilizar-se por preservar, limpar, conservar e até potenciar o meio ambiente da sua área de jurisdição. Se todos fizerem este trabalho, utilizando para isso a tecnologia disponível e as ciências como suporte, talvez, como diz David Attenborough, ainda não esteja tudo perdido.

É fundamental que os políticos entendam que o Green New Deal de zero emissões de gases nocivos ao equilíbrio planetário, tem de ser uma prioridade para passarmos à fase seguinte da evolução humana. Sem o seu cumprimento, não haverá evolução. Apenas retrocesso. Têm também de surgir novos tipos de atividades, uma verdadeira revolução laboral e social, que crie novos empregos, mas que integre na equação o equilíbrio das espécies,  a descontaminação pró-ativa, a sustentabilidade responsável, o consumo moderado. O processo de Globalização está terminado. Passemos ao seguinte: a Glocalização, ou seja a harmonização entre o Global e o Local. A distribuição de muitas matérias não pode continuar a ser global, tem de ser mais local e a produção, do mesmo modo, deve basear-se na oferta nacional, local ou de proximidade com outros países, em último caso. Infraestruturas energéticas, de comunicações, transportes e logísticas têm também de ser pensadas localmente. Infelizmente, a maioria dos países pretende voltar ao modo de vida anterior por ser uma solução já conhecida, mais fácil de gerir segundo os modelos do passado. Mas o que muitos destes políticos e líderes não entendem, é que a mudança não é uma opção temporária. E aqui os jovens poderão ser determinantes e firmes para exigirem a mudança que lhes garanta um futuro saudável e sustentável. A economia, a sociedade, os governos têm de mudar primeiro, para que a vida na terra possa seguir um rumo lógico na direção correta, não no sentido da destruição. Nos últimos 200 anos a civilização baseou a sua economia nos combustíveis fósseis e na exploração dos solos, dos animais domésticos e de inúmeras outras espécies.

A exploração, destruição e artificialização dos solos é outro problema fulcral na degradação do ambiente e na qualidade dos produtos que consumimos na nossa alimentação. As indústrias do carvão, do petróleo, do gás, do cimento, das pedras naturais e dos minérios são feitas de forma industrial a um ritmo cada vez mais acelerado, até quando? Já perdemos 60% do solo do planeta, solo que demorará milhares de anos a ser recuperado. A política de “quem vem atrás que feche a porta” utilizada pela maioria dos políticos do mundo, tem também contribuído para que não se tomem medidas corajosas mas necessárias para garantir o futuro da humanidade. Em vez disso, continuamos, cegos, a caminhar em frente, até ao colapso. Os sérios problemas de desflorestação dos últimos anos, mais frequentes nos países mais pobres da América do Sul e da Ásia, estão a levar à extinção dezenas de espécies todos os anos. O lento processo de evolução da vida neste planeta está a ser posto em causa em poucas décadas. E já estamos a chegar ao fim da suportabilidade da destruição. Chegámos ao ponto do não-retorno. Daqui para a frente ou agimos e mudamos ou continuamos e sucumbimos. O desastre humano está eminente, mas muitos ainda não o conseguem ver. Por exemplo, por cada grau de temperatura que aumenta, já se sabe hoje que a atmosfera absorve mais 7% de água o que resulta numa precipitação mais frequente, mais intensa, e na alteração do regime das estações do ano e dos ventos. Em consequência, as tempestades abatem-se sobre certas comunidades ou países causando destruições massivas, por vezes, quase totais. E temos todos vivido este aumento de catástrofes. No entanto, pouco ou nada mudou no nosso modo de vida, por termos tido estas experiências ou o simples conhecimento da mudança do clima.

A revolução tecnológica veio permitir que quatro biliões de pessoas já se encontrem conectadas em todo o mundo, número que cresce todos os anos. Comunidades que antes estavam mais isoladas têm agora acesso a informação mais facilmente. E isso, por exemplo, está a permitir uma muito maior cooperação entre países desenvolvidos com países sub-desenvolvidos. São conhecidos inúmeros casos de cooperação positiva entre instituições de ajuda humanitária europeia ou casos de países nórdicos ou até jovens locais que inventam soluções inteligentes com materiais simples e locais que permitem a muitas comunidades pobres e isoladas de África, Ásia ou América do Sul terem melhores condições de vida. A tecnologia de zero emissões será tão barata que possibilitará, por si só, gerar uma enorme percentagem de mudança, mas para que seja implementada rapidamente é necessário o esforço de todos e uma cooperação local e global sem precedentes. Para isso as redes sociais e a informação pela internet serão fundamentais para revolucionar o processo de mudança. Representarão um acelerante social virtual, fundamental neste processo. Pequenas e médias empresas ligadas, com soluções baratas e inteligentes criarão melhores condições de vida em qualquer ponto do planeta. Mas a passagem da Globalização para a Glocalização exige, por outro lado, à simplificação dos processos burocráticos e de corrupção, que têm sido um grande entrave à mudança positiva, a mudança em direção a uma sociedade mais preparada, mais científica. Enquanto que na segunda revolução as infraestruturas eram centralizadas e privadas, a terceira revolução exige infraestruturas inteligentes glocais, organizadas em redes e abertas.

Brevemente a população atingirá um pico nos 9 ou 10 biliões momento a partir do qual se inicia a descida do crescimento populacional. Mas se esse pico só se der em 2100, tudo pode estar perdido. Esse pico tem de ser acelerado para que aconteça antes, muito antes. Se tivermos o pico do crescimento populacional em 2050 e conseguirmos ativar mudanças que nos permitam uma muito maior sustentabilidade até lá, então talvez consigamos sobreviver, destruindo o menos possível de vida selvagem do planeta e conseguindo evitar a destruição definitiva do ambiente. A crise da sobrepopulação consegue-se também controlar se forem dadas melhores condições de trabalho às mulheres e equidade de direitos. Todas as sociedades desenvolvidas e industrializadas têm menos filhos per capita do que os países subdesenvolvidos. Jeremy Rifkin deposita as suas esperanças na geração millenials, que poderá forçar a mudança e ser o acelerante que falta. Derrubar barreiras, preconceitos, limites, no fundo, tudo o que nos separa. Se os humanos perceberem que estão em perigo pela destruição que estão a causar e que será também a sua a curto e médio-prazo talvez entendam que a mudança não é só necessária, é obrigatória. A história atingiu um momento único, decisivo. Temos a possibilidade de dar um futuro à Humanidade e, acima de tudo, às gerações futuras.

Texto de Pedro M. Duarte

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