A função da polícia na sociedade tem sido cada vez mais escrutinada. O debate fica muitas vezes preso em darmos mais ou menos poder à polícia. Entre aqueles que criticam, e que apoiam as forças policiais. Mas em que contexto é que devemos apoiar, ou criticar a polícia? Com que bases, com que elementos, e que visão temos sequer da polícia, a sua função, o seu contexto social, e talvez, com que definição do termo “polícia” e “policiamento”? Não será mais interessante, antes de começarmos sequer o debate, definirmos muito especificamente sobre o tipo de policiamento que nos estamos a referir exatamente? “Policiamento” e “Policiar”, afinal de contas, significa o seguinte:
“Vigiar pela boa ordem”. “Guardar com cuidado”. “Civilizar”. “Controlar”. Estes conceitos só se aplicam na rua? E nos escritórios? E nos gabinetes das Câmaras Municipais? E nos corredores da Assembleia? E nas lojas Maçónicas? E no conselho do Banco de Portugal? E nas administrações das grandes empresas? E nas instituições de Estado que cobram impostos (a uns, mas a outros não)?
Quando falamos em “dar mais meios à polícia”, estamos a falar de dar mais meios para fiscalizar as ações dos ricos e poderosos, dos nossos supostos “representantes democráticos”, ou talvez das instituições com executivos não eleitos como o Banco Central Europeu, do Conselho da Europa, ou da NATO?
Porque é que quando falamos de “policiamento” nos esquecemos sempre de falar do policiamento dos lugares onde as decisões mais importantes são tomadas e das atividades que mais afectam as nossas vidas?
A maior parte do policiamento de que falamos é claramente policiamento de rua. Mas o crime só acontece quando um carteirista rouba uma carteira? Ou quando alguém entra num supermercado e rouba alguma coisa? Ou quando alguém entra numa loja e assalta a caixa?
Mas e quando alguém rouba dinheiro dos contribuintes através de corrupção na contratação pública? Ou quando alguém contrata, para um cargo supostamente “público”, um (ou vários) membros da sua família em vez de contratar a pessoa mais competente para o cargo? Ou quando alguém afunda um banco através de gestão danosa, para depois roubar milhares de milhões de Euros dos contribuintes? Ou quando alguém vende uma empresa por trocos a fundos estrangeiros para depois essa mesma empresa, ou neste caso, um banco, receber mais dinheiro público do que o mísero valor pelo qual foi vendido e depois ainda dar prémios milionários aos seus executivos?

Muito se fala sobre policiamento. Alguns querem menos, alguns querem mais. “Apoio os nossos polícias”, dizem. “Criticas a polícia? Então quando fores roubado, chama o Batman!”, diz-se agora. Mas a questão não devia ser se apoiamos ou não, se criticamos ou não. Todos devíamos “apoiar a polícia”, a questão depois sendo, “apoiamos, mas para que façam o quê”? Qual vai ser a natureza deste policiamento? Não faz sentido policiar mais os que têm mais poder? Ou vamos só defender o policiamento de rua, para enfrentar o crime que vemos no quotidiano, mas não exigir o mesmo, ou até mais, no que toca o policiamento dos crimes que não vemos, porque estão escondidos em gabinetes de advogados, porque estão codificados em documentos escritos em linguagem propositadamente incompreensível, porque se passam a níveis da sociedade aos quais a maioria simplesmente não tem acesso e sobre a qual não tem visibilidade?
Eu apoio os nossos polícias. Eu apoio as nossas forças de segurança. Mas só se policiarem os que merecem ser policiados, e se tratarem todos os ladrões da mesma forma, em consequência da gravidade do seu crime.
Se lidarem com a evasão fiscal com a mesma seriedade que tratam quem rouba numa loja, então têm o meu apoio.
Se tratarem a falsificação de assinaturas para a fundação de um partido político com a mesma rigidez que tratam alguém por falsificar uma nota, então têm o meu apoio.
Se tratarem o tráfico de droga quando é feito com a proteção de um clube de futebol com a mesma seriedade que tratam os que vendem droga numa qualquer esquina, então têm o meu apoio.
Eu apoio os nossos polícias. Mas se for só for para policiar o Zé Povinho, e deixar os ricos e poderosos fazerem o que bem lhes apetecer, aí, não venham pedir o meu apoio. Porque isso não é policiamento. Isso é gozar com a minha cara. Isso é ser um peão que protege um sistema corrupto.
Eu apoio os nossos polícias. Mas só se policiarem toda a gente de forma igual. Se me policiarem só a mim, mas depois não fizerem nada quando os que têm mais poder do que eu cometem crimes, então isso não é policiamento, é abrir o caminho para que a sociedade se torne cada vez mais injusta, e ao mesmo tempo retirar-me o poder de fazer algo sobre isso. Isso não é manutenção da ordem, é opressão. E se for essa a “ordem” que querem manter, então não terão o meu apoio, obviamente.
Isso é ser hipócrita, isso não é ser polícia, isso é ser um capanga fardado, isso é ser mais um bandido disfarçado. E se assim for, não me venham dizer que são defensores da pátria, honrado heróis que merecem todo o nosso apoio.
Eu apoio os nossos polícias. Mas só se eles me apoiarem a mim também.
2 respostas
Sr. João Silva Jordão
PARABENS pelos conceitos colocados.
Dessa forma os POLICIAIS ou esse POLICIAMENTO, também têm o MEU APOIO.
Abraços Serafim
Obrigado José! Abraço.