Ainda ontem ouvia Ferro Rodrigues a atacar na Assembleia o juiz que escreveu num despacho a expressão “vírus chinês” e que terá desencadeado um protesto junto do Conselho Superior da Magistratura por parte da LCP (Liga dos Chineses em Portugal). Confesso que não sei bem o que dizer. Não entendo que um político que preside à Assembleia da República se preocupe com uma queixa de uma associação, queixa que já está a seguir os ses trâmites legais e da qual ele, enquanto membro do governo tente tirar partido político da situação face ao momento que vivemos. Nem entendo que a comunidade chinesa esteja, tal como noutros países já o fez, a criar conflitos políticos num país que lhes permite que vendam produtos que não obedecem aos critérios de qualidade impostos pelas normativas europeias, em plena crise pandémica. Não quero dizer com isto que tenho qualquer ressentimento para com a comunidade chinesa em Portugal, pelo contrário, até aprecio bastante muitos dos aspetos positivos da cultura asiática. E apoio a miscigenação. O que quero é relevar que a lei ou é para todos ou não é para ninguém.
É preciso não esquecer que em junho de 2017, no Conselho da Europa, Macron tentou lançar leis protecionistas contra a China (tal como o fez a Austrália no final de 2017 no seguimento da tentativa de suborno de um Senador por políticos chineses) sobre a compra de indústrias estrangeiras e o Primeiro-Ministro português António Costa entrou em sua defesa dizendo que Portugal não poderia aceitar essa posição porque a China tinha comprado a dívida nacional quando o país estava afundado economicamente e, por isso, tinham de proteger os seus interesses, numa postura de grande falta de ética política. Ficou claro que a China usa o seu poder económico, no seio da Europa, para “comprar” críticas negativas ao seu regime, junto de instituições políticas ou humanitárias. Esta estratégia de Cavalo de Tróia usando os seus milhões que injeta em negócios particulares ou de Estado, não pode ser aceite dentro da União Europeia ou em qualquer regime democrático isento. Enquanto o governo australiano tomou medidas imediatas votando uma lei que proibia qualquer investimento da China em partidos políticos e negócios estratégicos, nós fazemos vénias ao capital chinês para nos comprar uma grande parte da EDP e da REN. A multinacional Fosun, por exemplo, o maior investidor chinês em Portugal atualmente, investe na indústria farmacêutica, saúde, seguros, imobiliário, telecomunicações e banca, entre outros. E claro, o caso do investimento da China no Porto de Sines, apenas segue o padrão do que tem feito na maioria dos países asiáticos, africanos e do mediterrâneo.

Apesar da China usar a bandeira de estar a ajudar a criar igualdade e empregos através das suas políticas externas, certo é que a EDP pratica os preços de eletricidade mais elevados da Europa, num país onde o rendimento é dos mais baixos da União. O setor imobiliário disparou precisamente devido aos grandes grupos de investidores, os mesmos dos famosos vistos Gold (escândalo bem conhecido e sobre o qual nem vou falar) e que tem prejudicado e bem a vida dos mais carenciados em Portugal, que já têm enorme dificuldade em alugar casa a preços suportáveis pelos seus débeis rendimentos. E os juros elevados que a China cobra ao Governo não são porque querem propriamente apoiar os sonhos socialistas do Primeiro-Ministro português, mas sim uma estratégia de lucrar com a venda dos seus milhões sob a bandeira do desenvolvimento. E quem vai pagar esta parte da dívida são os cidadãos, graças aos impostos que lhes são cobrados. Os financiamentos da China têm, por isso, uma outra dimensão, mais oculta, mais a prazo, a de influenciar as políticas internas e externas “comprando” a influência dos seus devedores. A Grécia, Portugal, e Hungria já deram sinais preocupantes da estratégia chinesa, cada vez mais ativa na sociedade civil, nos negócios e no meio académico. Influenciam, por exemplo, as comunidades de estudantes chinesas ultramarinas e financiam as campanhas dos candidatos simpatizantes, minando o equilíbrio político e estabilidade social de muitos países, como Portugal e Grécia.
O exemplo mais preocupante desta estratégia é, o africano. A China ocupou a maior parcela de participação de todas as infraestruturas em África, ou seja, entre 30 a 50% de projetos são geridos por si. Mas vai mais longe. Para garantir a segurança do seu mega-projeto náutico mercantil, as “Novas Rotas da Seda“, instalou a primeira base militar no estrangeiro, no Djibouti (imagem abaixo), um país estratégico no controlo do estreito do Mar Vermelho que liga ao Canal do Suez e daí ao Mediterrâneo. A base foi instalada em menos de um ano, contrariando a política externa chinesa durante anos de construir bases militares em territórios externos, seguindo assim o modelo americano de expansão militar. O Djibuti é um pequeno país com forte presença militar de americanos, franceses, italianos e japoneses e no entanto a China enviou 10.000 soldados, precisamente o dobro do contingente americano alegando ter um papel a desempenhar na segurança deste continente. Esta estratégia militar no Djibuti chamou a atenção internacional. Foi um momento de viragem. O grande dragão saltava por cima da sua própria muralha e, seguindo as novas rotas marítimas e comerciais, e começa a dar sinais de hostilidade estratégica. O dragão insaciável expande-se, tal como já fez no passado.

Xi Jiping, já não consegue esconder as suas intenções politico-militares: sonha em ter um exército de renome mundial que reforce ainda mais a sua posição de grande líder. Tal como Mao, ele acredita veemente que o poder assenta na força das armas. Desde que chegou ao poder, as demonstrações de força sucederam-se. A 13 de setembro de 2015, na praça de Tiananmen, Xi organizou o desfile militar mais grandioso que a China alguma vez vira, em honra da vitória chinesa sobre o Japão, em 1945. Para o desfile foi destacada uma quantidade considerável de material bélico e de soldados impecavelmente fardados e treinados, que lembravam as antigas demonstrações de poder militar soviéticas durante a Guerra Fria. Xi Jinping, no seu uniforme militar, vistoriava as tropas e gritava palavras de ordem. Em 4 anos apenas, a China construiu o equivalente da Marinha Francesa em navios de guerra e submarinos. Um exército de primeira linha, o mais poderoso do mundo, superior ao exército dos EUA segundo palavras dos próprios líderes do Governo Chinês. A sua meta é que em 2049 ultrapassarão os EUA no poderio militar. Para demonstrar o seu poder bélico Xi tem ordenado a execução de vários exercícios militares no Mar da China Meridional e no Pacífico, precisamente defronte das bases americanas que se destacaram na 2.ª Guerra Mundial.
Mas a escalada ao poder militar já tinha começado em 2012, quando anexou águas territoriais e ilhas pertencentes a países vizinhos como o Japão, Filipinas, Malásia e Vietname, reivindicando a soberania histórica sobre quase todo o Mar da China. Até finais de 2017 as tensões e o risco de conflito estavam no auge. Quando Xi invadiu as Ilhas Spratly em águas territoriais disputadas pelos seus vizinhos, hasteando a bandeira chinesa e enviando misseis e aviões de combate, os americanos sentiram-se traídos, porque numa visita aos EUA em setembro de 2015, Xi Jinping afirmou numa conferência de imprensa que não tinha qualquer intenção de construir bases militares na zona meridional da China. E este voltar atrás não foi bem recebido junto do governo norte-americano. Ao fim de poucos meses já tinham construído inúmeras instalações militares nesses ilhéus de Spratly, ampliando inclusivamente algumas delas artificialmente. Pouco a pouco Xi Jinping foi construindo um império militar no Mar da China. De seguida transformou as ilhas em bases aero-navais. Seguiu-se a militarização das ilhas Paracel (Woody Island, imagem abaixo), ao largo do Vietname. Ainda no final de 2019, mesmo antes de estalar a crise pandémica na China, a China juntou a Rússia e o Irão num exercício militar conjunto no Golfo de Omã, o primeiro realizado em conjunto com os seus dois aliados. Uma posição de força e um reforço global na nova aliança militar, publicitada ao mundo numa clara demonstração de orgulho de Xi Jinping, enquanto líder da Nova Ordem Mundial.

Mais recentemente e igualmente preocupante, em plena crise pandémica mundial, são os exercícios militares que a Marinha chinesa começou a realizar juntamente com o Paquistão, no início deste mês, designados como Sea Guardian. Ainda na semana passada, dia 14, a Marinha indiana iniciou preparações para ações militares de vigilância do Oceano Índico, no seguimento de movimentações da Marinha chinesa, um porta-aviões e outros navios de guerra chineses através do estreito de Miyako. Nesta terça-feira 21 de abril, a China anunciou publicamente o nome de 80 ilhéus dos quais se apoderou nos últimos anos, (ilhéus de Spratly e ilhas Paracel) numa clara provocação aos seus vizinhos asiáticos, Vietname, Malásia e Tailândia. As provocações estão a gerar já uma escalada e resposta, ainda que meramente preventiva da NATO, de proteção à companhia petrolífera Petronas: esta terça-feira a Marinha dos Estados Unidos destacou dois navios de guerra para patrulhas no Mar do Sul da China, perto da Malásia. Os exercícios navais da China junto de Taiwan estão a deixar os seus vizinhos em estado de alerta, até porque já foram detetadas algumas intrusões no espaço aéreo do Japão e de Taiwan. Afinal, parece que não é só a Coreia do Norte e o Irão que estão numa atitude provocatória.
A grande questão que se surge é: porquê estas provocações por parte da China?
A minha opinião pessoal sobre esta matéria é que, no seguimento dos pedidos de indemnização de biliões que alguns países estão a pedir à China, por ter escondido a verdade do resto do mundo, silenciando inclusivamente todos os seus media e informadores-freelancers nas redes sociais, Xi Jinping esteja a assumir que está encurralado economicamente e que a guerra poderá ser a única solução viável para tentar manter a supremacia. Com aliados tão poderosos como a Rússia, o Irão e o Paquistão, já não é tão líquido que a NATO e Israel sejam suficientes para manter o equilíbrio militar no mundo. Para além disso, a guerra nos dias de hoje é fundamental para equilibrar as economias dos países produtores de armas. Veja-se o caso da Guerra Orwelliana na Ucrânia, onde lucraram a NATO e a Rússia, um estudo de caso detalhadamente analisado num texto da Casa das Aranhas, de 2014.

A ocupação das ilhas Paracel marcaram definitivamente um ponto de viragem na sua estratégia ofensiva militar. Contrariava as decisões internacionais e Xi foi condenado pelo Tribunal Internacional de Haya, decisão que ele se recusou a aceitar. Politicamente o assunto estava encerrado. Esta sua posição de força dava-lhe ainda mais protagonismo e influência económica, política e militar. Xi Jinping caminhava em direção à sua instauração como líder da Nova Ordem Mundial. Para isso contava com o impacto da sua própria cimeira mundial, a da Organização para a Cooperação de Shangai, em junho de 2017. Esta Cimeira teve lugar ao mesmo tempo que o G7, rivalizando assim de uma só vez com as maiores potências democráticas do mundo. A Nova Rota da Seda como estratégia macro-económica e de grande influência política em África e a aliança política e militar da Organização para a Cooperação de Xangai criaram um sistema global em torno da China sem precedentes nos tempos modernos.
Xi Jinping presidiu à Cimeira. Ao seu lado estava o fiel amigo Vladimir Putin, excluído do G7 por ter invadido uma parte da Ucrânia. À mesa estavam as 4 repúblicas autoritárias da Ásia e dois recém-chegados: Índia e Paquistão. Duas potências nucleares rivais que Xi Jinping tinha conseguido reunir. Oito países membros: Cazaquistão, China, Índia, Paquistão, Quirquistão, Rússia, Tajiquistão e Urzebesquitão. Xi abriu a Cimeira com a frase: “esta é uma cimeira histórica; é a primeira vez que os oito líderes se reuniram; com esta expansão, a nossa força cresce; temos uma responsabilidade cada vez maior sobre nós a atrairemos mais atenção da comunidade internacional”. Unindo-se a potenciais parceiros como o Irão e a Turquia, a quem prometeu apoio, Xi conferiu legitimidade mundial à sua cimeira. A estratégia de Xin Jinping em direção à Nova Ordem Mundial é como teria dito Mao “caminhar sobre duas pernas”. Por um lado ganha influência na ligação a organizações multilaterais já existentes. Por outro, na criação de novas organizações não-ocidentais, inspiradas pela China, que correspondem mais à sua ideologia, aos interesses e aos valores da República Popular. Xin Jinping pretende impor a sua Nova Ordem Mundial a custo da Europa e dos Estados Unidos. Para atingir esse fim, quer unir todo o mundo com a China no centro. Desde Mao que a China sonha em construir um paraíso comunista mundial.

Na sua última visita à China em maio de 2018, Angela Merkel mostrava-se preocupada com todo o controlo social. Segundo ela ultrapassava a distopia de Orwell, “1984”. Considerando que as tecnologias chinesas se estão a difundir rapidamente por todo o mundo, este controlo poderá ser generalizado, colocando a liberdade do mundo em questão. Exemplo disso é o do Presidente do Brasil, considerado já um louco por muitos e um oligarca por outros, adquiriu recentemente esta tecnologia. Muitos novos meios de comunicação como o Facebook, já estão a obedecer às instruções da China para apagar posts ou críticas de cidadãos chineses a viverem em qualquer parte do mundo.
Como vai a democracia mundial lidar com a supremacia de um país autoritário?
Xi Jinping não se preocupa com críticas da opinião pública mundial. Está inebriado pelo poder. Bloqueou completamente todas as críticas oriundas do estrangeiro. Apenas quer impor a sua visão ao país, aos cidadãos e ao resto do mundo. Mas simultâneamente levanta-se uma questão: a China é subtil e difícil. Esta faceta disruptiva da própria identidade da China continuará a ser um problema para a diplomacia mundial. E é muito difícil prever onde tudo isto vai terminar. Trump ainda não deu a sua palavra final. Mas esta terça-feira o Estado norte-americano do Missouri avançou unilateralmente com um pedido de indemnização à China, juntando-se à já longa lista de países, pelos efeitos devastadores do Covid-19. Certo é que a China está a começar a perder a posição política favorável a nível mundial, face às enormes pressões causadas pela origem do vírus pandémico de 2020. E sinal disso é que já começou a posicionar os seus peões no tabuleiro da diplomacia global, para combaterem no terreno da contra-informação todos os ataques de que está a ser alvo. Para isso usa-se de posições de força. Ainda nesta terça-feira, Xi Jinping deu autorização de prisão aos activistas de Hong Kong, criticando a interferência neste assunto, do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Xi Jinping parece imparável. E agora? O dragão prepara-se para cuspir fogo?

Texto de Pedro M. Duarte
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