
No passado, a “classe artística” estava na vanguarda da resistência política. A maioria, claramente, já não está, pelo menos em Portugal.
A maioria transformou-se numa mera elite arrogante que vive a pedir, ou até exigir, dinheiro do Estado, ao mesmo tempo que menosprezam completamente a plebe, ou seja, odeiam claramente os mesmos contribuintes cujo dinheiro cobiçam, os quais veem como sendo proletários incultos que não merecem sequer o melhor que a arte tem para dar.
Ao mesmo tempo, a qualidade da arte que produzem tem vindo ela também a degenerar claramente. Será uma coincidência? Claro que não.
Não temos nenhum Carlos Paredes. Porquê? Talvez porque a grande parte dos artistas com talento vêm-se como sendo demasiado finos para terem um trabalho normal ao mesmo tempo que continuam a refinar a sua arte- lembrem-se que Carlos Paredes trabalhou muito tempo no São José num trabalho absolutamente comum. E de qualquer forma, esta mesma classe artística na sua maioria, e cada vez mais, despreza a arte “clássica”, o que portanto impossibilita a emergência de novos Carlos Paredes logo à partida.
Também não temos nenhum Zeca Afonso. Porquê? Porque a maior parte dos artistas da (suposta) vanguarda intelectual não se preocupa verdadeiramente com os problemas da gente comum- até porque, obviamente, não se dão com essa mesma gente comum. Não são dignos do seu tempo, da sua companhia, e muito menos da sua amizade. Não são dignos sequer de serem os seus amigos nas redes sociais- a gente comum são aqueles que já desamigaram há muito tempo do Facebook, se alguma vez os tiveram lá sequer, porque esta gente comum diz coisas machistas, racistas, diz coisas “parvas”, “idiotas”, não têm a mesma cultura e conhecimento político que eles têm- então não merecem sequer o direito a uma ou outra publicação nas suas Timelines.
Estou a falar por linhas gerais, claro. Existem excepções. Mas a cultura daqueles que se declaram como sendo os guardiões da “cultura”, em modo geral, é esta. São uma falsa elite, economicamente empobrecida, é verdade, mas que estão igualmente, cada vez mais, na bancarrota intelectual, cuja arrogância acaba muitas vezes por ser a sua primeira linha de defesa contra toda e qualquer crítica.
A tendência é para a preferência pela arte incompreensível, vaga, pós-moderna, ou seja, preferem a pseudo-expressão artística altamente pretensiosa à comunicação clara e corajosa. Trata-se de uma “pseudo-expressão” porque acaba por não exprimir nada em particular, não defende nada em concreto- é um bluff que lhes permite ter a aparência de serem artistas sem terem que alguma vez arriscar, sendo o risco de comunicar algo controverso e revolucionário, e de possivelmente ser detestado por isso, um pilar fundamental de toda a arte verdadeiramente subversiva. Se não comunicamos nada especifico, ninguém pode criticar as nossas ideias. É a defesa perfeita contra todo e qualquer ataque, contra todo o eventual contraditório. Se ninguém compreende o que estamos a dizer, porque simplesmente não queremos sequer dizer algo, então não nos podem rebater. Quanto muito, estas pretensiosas pseudo-elites podem somente dizer dos seus detratores- “vocês não são cultos, não percebem a nossa arte. Só nós percebemos”.
Exprimem-se em códigos quasi-maçónicos, cuja arrogância e elitismo imitam na perfeição. Mas com uma grande diferença- pelo menos os códigos maçónicos têm um significado real e específico. São um código verdadeiro. A arte pós-moderna não. É um pseudo-código. É uma fraude. É uma ilusão, uma miragem que só consegue enganar os que se querem deixar enganar, e que muitas vezes se deixam enganar, paradoxalmente, em benefício próprio, para depois poderem dizer que também são finos, também “percebem”, também fazem parte da elite. Torna-se então este pretensioso e patético público ainda mais idiota, porque é duplamente defraudado- porque pelo menos os autores desta “arte” beneficiam com isso de uma forma ou outra.
O público é que fica sempre, inevitavelmente, a perder.