Redes Sociais Estão a Desmantelar as Democracias e a Criar Zombies?

O documentário “The Social Dilemma(O Dilema das Redes Sociais) recém-estreado a 9 de setembro da Netflix, analisa e debate a problemática das redes sociais no contexto social atual debruçando-se sobre os aspetos mais profundos dos efeitos negativos que está a causar nas sociedades, um pouco por todo o globo. Através da recolha de inúmeros testemunhos de ex-colaboradores de topo em empresas como o Facebook, Instagram, Google, Youtube, Apple, Twitter, TikTok, Snapchat, Pinterest, Reddit, Linkedin, Whatsapp, o realizador e argumentista Jeff Orlowski põe a nu estratégias chocantes destes gigantes empresariais para manipularem toda a informação recolhida dos seus utilizadores com o objetivo de os reutilizar como alvo de publicidade e informação dirigida, numa invasão e violação, sem precedentes, da privacidade de todo o cidadão que se ligue às suas viciantes redes digitais. Esta é a nova droga da humanidade e está a generalizar-se pela grande maioria das populações, sobretudo as mais jovens, que já não conseguem escapar à sua dependência psicológica. O documentário levanta mesmo a questão, será que necessitamos assim tanto destas redes? Não são elas hoje em dia, os principais veículos dos discursos de ódio e discriminação, pela facilidade com que são utilizadas e instrumentalizadas por grupos extremistas, totalitários ou até por grupos criminosos e terroristas? Este é um tema altamente contemporâneo e fraturante, que tem de ser debatido seriamente. A regulamentação deste setor empresarial é urgente, ou corremos o risco, de permitirmos que se instale uma anarquia mundial nas ruas, que depois de consolidada se torne irreversível por várias décadas, arrasando no processo, toda a economia e, com ela, o estado social.

Quando surgiram, as redes sociais e plataformas digitais prometiam um mundo futuro de aspetos positivos e benefícios, aos quais dificilmente resistíamos. Estar ligado com o mundo, com a família e os nossos amigos ou com os famosos era uma novidade demasiado fantástica para ser ignorada. Inicialmente gratuitas, algumas plataformas cresceram demasiado e para manter todo o staff que constroe e gere estas redes, os empresários tiveram de montar estratégias financeiras que permitissem continuar online a servir os seus milhões de utilizadores. Alguns debatiam se deveriam cobrar aos seus utilizadores, como o caso do Facebook, mas mediante sondagens que foram negativas a essa possibilidade, alguns gestores e CEO’s optaram por estratégias menos diretas. Em 2014, quando rebentou o escândalo de uma subsidiária do Facebook, a Cambridge Analytica, que já tinha recolhido ilegalmente dados pessoais de 87 milhões de utilizadores daquela rede social, para influenciar a opinião de eleitores em vários países e assim ajudar políticos populistas a ganharem eleições nos seus países, começámos a perceber um pouco do que estava por detrás da gratuitidade do serviço. O escândalo originou as célebres audiências no Senado dos EUA com o próprio Mark Zuckerberg a pedir desculpa aos políticos norte-americanos e a meter os pés pelas mãos, prometendo mais segurança na proteção futura dos dados dos utilizadores do Facebook, Instagram e Snapchat. Estas mesmas questões éticas das redes digitais foram, aliás, brilhantemente abordadas na série “Mr. Robot”.

No últimos anos as redes começaram a demonstrar o seu potencial mais dark. Surgiu o conceito de fake news, os vídeos do Daesh a degolar soldados e civis inimigos, os discursos de ódio de grupos extremistas, o aproveitar das redes por movimentos políticos populistas ou totalitários, os estúpidos desafios que levaram muitos à morte, os defensores da auto-mutilação, os vídeos live de suicidas, os anúncios de dealers de droga, os traficantes armas, crianças, mulheres e órgãos, os pedófilos, os linchamentos sociais em público. Aspetos horríveis de sociedades atrasadas ou corruptas, sem rumo. E estas imagens, muitas vezes sem o correto enquadramento, tornam-se virais, vulgarizam-se e passam a servir de modelo a muitas mentes perturbadas que habitam este planeta. O que antes estava escondido, passa a estar à vista de todos, vulgariza-se e torna-se no “novo normal” aos poucos. Depois da sua banalização, estas imagens passam aos poucos a fazer parte do paradigma social. E é quando assistimos quase sem reação, durante o jantar, a cenas horríveis acontecerem diante dos monitores das televisões, dos computadores ou dos nossos telemóveis, pela sua excessiva banalização, que sabemos que ganhámos uma certa imunidade “confortável” ao que o nosso subconsciente devia identificar como inaceitável, como cruel, como uma realidade jamais permitida num mundo humano. A facilidade da publicação nas redes sem prévia moderação origina, frequentemente, um aproveitamento distorcido por parte de algumas pessoas perturbadas ou grupos com motivações duvidosas ou criminais.

Por essa razão, as plataformas digitais mais famosas como Facebook, Instagram, Google e Youtube, começaram a “limpeza” de conteúdos indesejáveis e agressivos para a sociedade comum por forma a tornarem-nas mais seguras, mais acessíveis a todos os públicos, sobretudo aos jovens, mais suscetíveis à influências ideológicas mais negativas e radicais. Sabemos que algo está errado quando algumas pessoas começam a pedir a cirurgiões plásticos para as operar de forma a se parecerem à sua imagem filtrada e rejuvenescida por aplicações como o Snapchat. Esta tendência, por exemplo, tem milhares de seguidores na Coreia do Sul e Japão, sociedades altamente competitivas onde os jovens sofrem de forte pressão psicológica no seu quotidiano. Os inúmeros suicídios perpetrados por jovens para se tornarem famosos nas redes ou de estúpidos desafios de suicídios ou de automutilação demonstram como é fácil influenciar crianças ou jovens a cometerem tais atos hediondos em prol do reconhecimento ou aceitação em determinados gangs ou grupos. Também o caso de terroristas que utilizaram informação pessoal de utilizadores para estabelecerem alvos a abater mediante recompensas em dinheiro ou religiosas ou que até fazem propaganda do medo, são um dos muitos exemplos do perigo de uma rede digital sem rumo ou filtragem. As horríveis imagens de vídeos do Daesh onde crianças-soldados das suas fileiras fuzilavam a sangue-frio prisioneiros de guerra com um tiro na nuca, não deviam circular nas redes.

Assim chegamos ao dilema das redes sociais: permitir redes de troca de informação totalmente livres ou criar redes filtradas onde a segurança da informação permita um acesso mais abrangente a todo o tipo de utilizadores, com maior segurança. A primeira versão já experimentámos e não resultou. Assim que, vamos passámos à segunda fase, redes vigiadas por empresas de raiz capitalista, que contratam milhares de revisores de conteúdos por todo o mundo, na esperança de “moderar” informação digital mais negativa ou invasiva da integridade dos cidadãos. Mas muitos utilizadores já reclamam que os moderadores das redes ou os fact-checkers fazem censura e não moderação. Isto porque a internet está a acumular cada vez mais lixo digital, a uma velocidade superior àquela com que os oceanos acumulam plástico. Informação e desinformação é arremessada às toneladas para todas as redes sociais e digitais, mero lixo informático, fake news e discurso de ódio em muitos casos. E a velocidade a que tudo se passa é incontrolável. Escândalos, leaks, hackings de indivíduos e empresas, manipulação de eleições à escala planetária, revelam que estamos a perder o rumo e, mais importante, o controlo das nossas próprias vidas. O mundo está a enlouquecer e a tecnologia e redes digitais estão a potenciar este estado social. Por todo o mundo os supremacistas brancos organizam manifestações e eventos cuja finalidade é disseminar ódio puro contra certas etnias e angariar mais adeptos para as suas fileiras, tal como fez a juventude hitleriana antes de Hitler se assumir como Líder Supremo.

Os CEO’s das redes sociais passaram, por isso, a ter de garantir a moderação dos conteúdos. Mas para manterem os seus moderadores, que cada vez são mais, na mesma proporção do lixo digital da internet, estes gestores tiveram de criar e desenvolver estratégias financeiras que rentabilizassem os seus negócios e que cortassem os impactos negativos das suas operações. Tim Kendall (ex-executivo do Facebook e ex-presidente do Pinterest, atual CEO da Moment), descreve como as redes sociais fizeram muito bem ao mundo, mas os seus administradores e gestores criaram um mundo paralelo para fazer dinheiro, completamente agressivo e perverso, baseado nas preferências dos utilizadores através de informação recolhida diretamente dos seus cookies. Os anunciantes passam a ser os clientes destas empresas porque são eles que pagam a existência das plataformas. Nesta perspetiva estas tornam-se no produto “per se” a vender. Esta lógica advém de uma regra de mercado fundamental: “if you are not paying for the product, then you are the product”. Para Justin Rosenstein (ex-engenheiro do Facebook e do Google, cofundador da Asana), o utilizador é o produto, ou melhor, a “atenção” do utilizador é o produto. Jaron Lanier (fundador original da Realidade Virtual, cientista informático), autor do livro “Ten arguments for deleting your social media accounts right now”, vai mais longe nesta análise. Ele considera que a mudança gradual, mínima, impercetível no nosso comportamento e perceção enquanto usuários é o produto. Mudar-nos, quem somos, o que gostamos, aos poucos. Tal como na magia a nossa atenção é desviada do fundamental, do que realmente se passa por detrás das mãos que fazem a magia. Criámos um mundo em que a conexão online é primordial. Comunicar é obrigatório. Mas hoje, a manipulação está na base de tudo o que fazemos online. Arthur C. Clarke cristalizou esta definição na sua máxima: “any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic”. A realidade passa a ser o mundo virtual.

Para Shoshana Zuboff (PhD, Harvard Professor Emeritus, autora de The Age of Surveillance Capitalism), os anunciantes que usam cookies têm garantias bastante elevadas quanto aos seus públicos-alvo. O seu nível de êxito é bastante elevado, porque têm profundo conhecimento dos perfis de consumo dos utilizadores. É um mercado que troca futuros humanos à escala global, que produzem triliões de dólares e que fazem das companhias da internet as mais poderosas económica e politicamente, na atualidade. Conseguiram perceber que podiam influenciar eleições, afetando diretamente o mundo real e as emoções, à distância de um clique, mas sem que os utilizadores se apercebam diretamente. A introdução recente da Inteligência Artificial (IA) para potenciar ainda mais o armazenamento e processamento destes dados dos utilizadores a velocidades cada vez mais elevadas, permite a estas empresas obter os melhores algoritmos de manipulação psicológica humana. Estabelecem tipos de personalidade-padrão e monitorizam tudo o que vemos e o tempo que demoramos a fazê-lo através de complexos algoritmos. Constroem modelos de ação dos utilizadores, semelhantes a avatares. Esses avatares poderão prever o tipo de gostos e até emoções dessas pessoas. E os algoritmos usam padrões de atenção, de crescimento e de publicidade mais desejada, explorando um tipo específico de psicologia de persuação tecnológica que, reciprocamente, acaba por influenciar os utilizadores, criando mesmo mudanças de comportamentos. Uma tecnologia cada vez mais persuasiva para levar o utilizador a fazer o que a rede quer. O inconsciente atingido por pré-programação subliminar, também designado como design do subconsciente. 

Por exemplo os tags de fotografias, posts ou emails são uma forma de nos manter viciados na rede. Equipas de designers que fazem verdadeiro hacking à psicologia dos utilizadores. Com isso conseguem viciar, criar dependência e compromisso e mais pessoas envolvidas numa espiral exponencial. Sandy Parakilas (ex-manager de Operações do Facebook e ex-manager de produto da Uber) refere as téticas agressivas usadas pelo Facebook que fizeram com que esta plataforma digital crescesse rapidamente de forma exponencial. Técnicas de crescimento que, pelo seu êxito, foram então copiadas para a UBER e muitas outras redes. O Facebook constatou que, depois de inúmeras pequenas experiências com utilizadores, encontraram fórmulas otimizadas para conseguirem que estes fizessem exatamente o que eles queriam que esses utilizadores fizessem. Trataram-se de estudos psicológicos de manipulação pura. Desde a liberalização destas técnicas invasivas de recolha de informação dos nossos dispositivos digitais pessoais, que estas empresas se centraram quase apenas em fazerem cada vez mais dinheiro através de anúncios dirigidos aos “avatares de consumo” de cada utilizador. Muitas ferramentas do facebook, por exemplo, deixaram de ser passivas para passarem a “exigir comportamentos específicos” dos seus utilizadores. Conseguem-no por sedução, insistência e manipulação. Ou seja, a nossa mente passou a ser utilizada contra nós próprios. Parafraseando Edward Tufte: “there are only two industries that call their customers ‘users’: illegal drugs and software“.

Estes algoritmos são desenhados para viciar. As redes sociais são uma droga que usa a nossa dopamina como acelerador. Filtros e recomendações sugeridas pelas redes não são mais do que técnicas subtis e invasivas de criarem vício. Algumas aplicações já estão a “roubar” a própria identidade das crianças ou dos jovens, mais facilmente corruptíveis pela manipulação psicológica. Os simples likes são uma das maiores ferramentas de viciação subliminar. O que os outros da nossa tribo pensam de nós pode ser viciante, aditivo, porque nos interessa saber mais sobre nós próprios, um complexo narcísico inato a todos nós, à nossa centralidade cósmica. Os jovens e crianças têm, por isso, de ser desintoxicados ou até isolados destas redes diabólicas que caem facilmente em círculos viciosos de vazios comportamentais. Houve um aumento enorme na depressão por ansiedade junto da população mais jovem dos EUA. Jovens a cometerem automutilação aumentou exponencialmente a partir de 2010, justamente quando as redes sociais começaram a tornar-se mais preditivas e invasivas. A automutilação aumentou 142%  em raparigas com idades entre os 10 e os 14, e 62% para idades entre os 15 e os 19. E os suicídios acompanham também estes valores percentuais. Os jovens viciados nos ecrãs e nas opiniões e vidas dos outros, não conseguem tomar decisões ou riscos e vivem mais vida virtual que real. Saem das escolas e ligam-se imediatamente aos telemóveis, esquecendo as refeições, por vezes. E ficam ligados até se deitarem ou mesmo durante a noite toda. Muitos pais já não conseguem comunicar com os seus próprios filhos que vivem num mundo paralelo, como autistas. Estes algoritmos estão literalmente a matar pessoas e a fazer com que muitos jovens se suicidem por perderem o sentido real de viver e por serem muitas vezes bombardeados com informação massiva, a qual não conseguem filtrar.

O facto de que muitos utilizadores estão a ficar viciados na vida pessoal dos outros ou de famosos, como se fosse a sua própria, evidencia um mecanismo de transferência psicológica que mais não é do que uma forma de compensação de frustrações pessoais, muitas vezes causadas pela pressão da vida estudantil ou profissional ou simplesmente financeiras (por exemplo a falta de dinheiro para viajar como determinados vloggers ou influencers). O facto de as regras e leis serem atualmente quase inexistentes neste mundo virtual, faz com que valha tudo para cativar a atenção dos utilizadores. E por isso, a IA está a tornar-se cada vez mais invasiva e a avançar exponencialmente de ano para ano, cada vez mais, para a esfera privada dos seus utilizadores. A esta velocidade as novas gerações terão uma fisiologia cerebral totalmente diferente. Há quem diga que as novas gerações, em geral, estão a perder capacidades cognitivas, de raciocínio e de tomar decisões realmente importantes sobre suas próprias vidas. A IA já domina toda a internet. Está por detrás de muitos algoritmos das redes sociais de hoje e de aplicações viciantes. E os algoritmos são basicamente “opiniões” e “atenções” diluídas em código. São ainda desenhados e potenciados para terem um determinado grau de sucesso. O interesse comercial e o objetivo do lucro são o principal target destas operações. Estamos a ser controlados remotamente como se fossemos marionetas, robots ou mesmo zombies. Estão a tornar-nos na primeira experiência manipulativa da IA. O programa MK-Ultra (Mind Control) da CIA testado e implementado a nível mundial, com objetivos meramente comerciais, testado em “involuntários compulsivos”. Tristan Harris, fundador da Center for Humane Technology demonstra sérias preocupações sobre o neurolink de Elon Musk a ser lançado ainda este ano. Segundo Tristan, este será o passo seguinte da desumanização e da viciação total. Marcará o princípio do fim do humano e da liberdade individual.

Por outro lado, muitos algoritmos procuram brechas e nichos dentro dos nossos gostos pessoais, de maneira a preencherem todos os nossos momentos ao longo do dia e nos manterem reféns dos ecrãs. Algumas empresas de redes até são permissivas às fake news, porque “prendem” mais utilizadores, durante mais tempo, aos seus dispositivos. O mesmo acontece relativamente a muitas teorias da conspiração, pois também estas geram enorme volume de interações e mais fake news. E muitos jovens já têm dificuldade de distinguir entre de entre o que é verdade e falso. Informação falsa, está provado, aumenta os lucros destas empresas. Segundo casos recentes que se tornaram mediáticos, o Facebook, por exemplo, ajudou a disseminar o ódio contra os muçulmanos em Myanmar, o que originou violações em massa, assassinatos, incêndio de vilas inteiras e o êxodo de 700.000 muçulmanos para fora do país. Há neste momento especialistas que criam fake news semelhantes a factos reais e depois disseminam-nas pelas redes. Estamos a chegar a um ponto em que qualquer dia ninguém acredita em nada como sendo realidade, por causa da enorme profusão de informação falsa. Também as plataformas digitais permitem espalhar propaganda altamente motivada e espalhar narrativas manipuladas sobre minorias como aconteceu com os militares de Myanmar, de forma bastante económica e eficaz para os seus fins eugénicos.

O Facebook agora vende a clientes, perfis de utilizadores com gostos específicos de acordo com o que os clientes procuram para os seus anúncios. Uma intrusão que antes não acontecia de forma tão direta, uma clara violação da vida privada de cada um, a cada minuto, a cada clique. Um assalto às democracias mundiais utilizando as redes sociais que são um veículo barato. Está a acontecer à escala mundial com atores localizados em posições estratégicas. A campanha de Bolsonaro, por exemplo, foi bastante impulsionada pelas redes sociais. Esta indústria digital criou as ferramentas para destabilizar a estrutura social em todos os países ao mesmo tempo. O caso da influência da Rússia nas eleições dos EUA de 2016 usando apenas ferramentas do Facebook é uma prova do poder destas redes para alterar governos, sociedades e países. Um país pode invadir outro digitalmente sem necessitar sequer de invadir as suas fronteiras físicas territoriais. Também se está a fomentar uma falsa ideia de bipolaridade, ou seja, criação de duas forças antagónicas com discursos de ódio opostos. Esta indução, dirigida a cada utilizador segundo as suas preferências, está a gerar tumultos e guerras, minando as democracias, cada vez mais hipotecadas às forças que mais influência conseguem exercer nas redes sociais. São também responsáveis em criar nações de pessoas que já não falam uns com os outros. Pessoas que deixam de falar a amigos seus por causa das suas escolhas políticas nas eleições. Pessoas que deixam os canais de televisão influenciar as suas decisões com marketing e propaganda dirigidos. Os recentes eventos de 2020 nos Estados Unidos, demonstram o poder das redes sociais ao despertarem, não justiça, mas tribalismo descontrolado, que já está a arruinar os EUA e a fraturar a democracia.

Por outro lado, a IA não está a conseguir resolver o problema das fake news, tal como profetizava Mark Zuckerberg na sua defesa no Senado sobre o caso Cambridge Analytica. O problema da verdade posta em causa está a abalar as sociedades e é intrínseco às redes sociais, sem as quais as sociedades já não conseguem viver. Porque as empresas que moderam conteúdos têm cada vez mais dificuldade em separar a verdade das fake news subtis que inundam a internet. Neste processo, mediante o tsunami de informação digital que circula nas redes, as pessoas estão a tornar-se irrelevantes no processo. Passam a ser apenas unidades utilizadas pelas empresas ou grupos para os seus fins de marketing, políticos ou comerciais. Estamos a perder a capacidade de escolher porque é a IA a manipular as nossas preferências com antecedência e previsão através de poderosos algoritmos baseados nas nossas escolhas diárias, nos nossos likes e cliques. Os humanos a tornarem-se peças de um gigantesco supercomputador global interconectado. mas há que fazer aqui uma distinção. Não é propriamente a tecnologia persuasiva que é uma ameaça existencial mas sim as tecnologias que trazem ao de cimo o pior das sociedades, os discursos de ódio, os grupos extremistas que ameaçam as democracias, os terroristas que usam as redes para espalhar o medo junto dos seus inimigos. Este tipo de tecnologia está a criar caos e insurgências a nível planetário que estão a desacreditar a maior parte da confiança antes depositada entre pessoas e grupos e até em instituições outrora fiáveis e confiáveis. Alienação solitária, mais polarização, mais hacking e influência nas eleições, mais populismo, mais distrações que retiram o foco dos assuntos realmente importantes para as pessoas. Os valores da sociedade estão debaixo de fogo e ao ritmo a que sucedem, a sociedade não tem tempo de recuperar, apenas de se desestruturar até ao caos final. Certas ferramentas digitais das redes e os cookies de utilizadores estão a gerar frankenstein’s aos milhares, empresários frios e calculistas, sem escrúpulos ou preocupações sociais de qualquer ordem. Apenas o lucro é o seu fim último. Lucro que será o fim da humanidade.

Com a tecnologia a ser cada vez mais integrada nas nossas vidas e com a IA a dominar cada vez mais setores da internet e das redes sociais e a tornar-se cada vez mais preditiva sobre as nossas opções e gostos, vamos ficar cada vez mais e mais viciados em redes digitais que nos dão exatamente o que o nosso subconsciente procura, como droga para um viciado. A curto prazo a principal consequência deste descontrole das redes e da internet será a guerra civil generalizada. Vamos falhar a gestão urgente das mudanças climáticas, as democracias vão-se degradar e regredir nos seus direitos fundamentais e nas suas conquistas económicas e até tecnológicas das últimas décadas. Espera-se uma regressão social global generalizada. Muitas democracias passarão rapidamente a autocracias disfuncionais. Assistiremos brevemente à ruína da economia mundial. O mais certo é não sobrevivermos a esta crise verdadeiramente existencial. Os momentos finais da humanidade, o apocalipse humano, poderá dar-se num tempo demasiado curto para que possa ser impedido.

Mas a tecnologia não vai, por si só, destruir o mundo. Ela é simultaneamente utopia e distopia. Cabe-nos a nós mantê-la humana e ao serviço das nossas necessidades reais. Não o contrário, tornarmo-nos escravos de um qualquer algoritmo viciante. O modelo de negócio das redes sociais tornou-se demasiado agressivo e sem controle por parte das entidades reguladoras estatais. As redes sociais são já um monstro demasiado grande para ser controlado. Igualmente os empresários ficaram aprisionados na sua própria ideia de gestão financeira. O modelo de negócio e dos incentivos económicos destas plataformas e a pressão dos acionistas tornam quase impossível modificar a sua atual estrutura, muito virada exclusivamente para o lucro dos investidores e para a dependência dos seus utilizadores. Que as empresas possam lucrar com os seus negócios é natural. Mas fazerem-no sem controle estatal é como branquear dinheiro em paraísos fiscais. As empresas digitais atuam como se fossem ramos do estado, inventando as suas próprias regras e leis para se autorregularem. A privacidade digital necessita urgentemente de leis estritas que não permitam que estas empresas façam com a informação privada e até subliminar dos seus utilizadores o que muito bem entendem. Elas estão a minar a democracia e a liberdade a uma escala global. E por isso têm de ser controladas e responsabilizadas. Já há quem compare a venda de dados privados de utilizadores, em feiras digitais específicas de Mega Dados, a tráfico de órgãos, escravos, crianças, mulheres, droga. Porque estão a gerar demasiadas consequências negativas para os cidadãos individuais e para o coletivo da sociedade.

Vivemos num mundo onde uma árvore vale mais morta do que viva. Uma baleia vale mais morta do que viva. As redes sociais estão a destruir gerações em nome do lucro. Este é o motor da economia atual. Sem legislação que controle este estado de coisas, as empresas privadas vão simplesmente destruir tudo até não restar uma árvore, uma baleia e, provavelmente, um humano. Mesmo tendo conhecimento destes níveis de destruição, os empresários negam a realidade em prol dos lucros, que nada valerão quando tudo estiver realmente destruído. É pensamento a curto-prazo baseado apenas no lucro fácil e crescente. Nós somos a árvore. E somos a baleia. Mas na perspetiva de um empresário da área digital, somos mais lucrativos se estivermos a olhar para um monitor ou para um anúncio, do que a vivermos a nossa vida real, com a nossa família. Estas empresas sem escrúpulos estão a utilizar a IA para nos distrair das nossas vidas privadas conseguindo que nos concentremos cada vez mais num mundo virtual viciante, apenas lucrativo para quem o manipula. O ritmo de vida e a moda estão a superar o que seria correto fazer. As redes sociais foram construídas e agora temos a obrigação de as alterar, para melhor, muito melhor. E ainda vamos a tempo, se atuarmos já.

Podemos exigir, por exemplo, que estes produtos sejam desenhados humanamente. Podemos exigir não sermos tratados como um mero recurso para obtenção de lucro. Temos obrigação de tornar este mundo digital melhor. Espíritos críticos podem trazer melhorias a este sistema, que se tornou perverso e tóxico para as nossas vidas. Nesta perspetiva, os críticos podem ser os otimistas do futuro. Atualmente a maneira como são desenhadas as redes não permitem que estas caminhem na direção correta. Apesar de ser uma tarefa hercúlea, é o que necessitamos fazer. Temos de o conseguir. Ou enfrentaremos a nossa própria extinção, não só pela destruição do mundo físico, mas também pela destruição do mundo digital. A vontade coletiva tem de superar a vontade destes empresários. Mas esta máquina gigantesca só vai mudar quando houver pressão social à escala mundial.

Assim, os próprios especialistas que participaram na criação deste Frankenstein enunciam os Dez Mandamentos da luta contra os efeitos negativos das redes sociais:

  1. Comecem por desligar todas as notificações e cookies;
  2. Nunca clicar em vídeos, anúncios ou links “recomendados” pelas redes;
  3. Antes de partilharem, façam um fact-check para não disseminarem mais fake news;
  4. Tentem seguir todas as correntes informativas e de tendências, pontos de vista diferentes dos vossos para se exporem à realidade, ou a IA só vos bombardeará com informação dirigida aos vossos gostos, criando uma versão falsa da realidade
  5. Evitar dar telemóveis ou permitir manipulação de redes sociais por parte de crianças ou jovens;
  6. Impedir que as crianças acedam ou se liguem a redes sociais;
  7. Todos os dispositivos eletrónicos fora do quarto 30 minutos antes de dormir ou a partir de determinada hora;
  8. Não permitir que os jovens entrem em redes sociais até chegarem ao liceu (16 anos);
  9. Estabelecer com os filhos um target de minutos diários de utilização da internet, para não permitir alienação, viciação ou dependência;
  10. Se tiverem coragem, apaguem as vossas contas de redes sociais e vivam a vossa vida real outra vez.

Talvez assim consigamos apagar a futilidade digital das nossas vidas. É preciso ter a coragem de ficar off grid. O mundo e a realidade são maravilhosos. Vamos viver as nossas vidas reais. Não mergulhem nas vidas depressivas e esquizofrénicas digitais do mundo virtual. Ou podem ficar presos no Matrix para sempre.

 

Texto de Pedro M. Duarte

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